A obra possui um tom contemplativo, sendo permeada por imagens que mostram a natureza, estabelecendo um vínculo entre o homem e a Terra
“Todo grande filme de ficção tende ao documentário e todo grande documentário tende à ficção e, quem optar por um, encontrará necessariamente o outro no fim do caminho”. Em tempos de tecnologia e rapidez, a frase de Jean-Luc Godard representa bem a essência de A Árvore da Vida, a nova obra de Terrence Malick, vencedora da Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano.
Malick, que fez apenas cinco longas-metragens durante mais de 40 anos de carreira, desenvolve uma experiência existencial e filosófica fascinante, que não se limita apenas a discutir os dramas de seus personagens, mas o papel do ser humano na história do planeta Terra.
Possuindo uma narrativa não-linear, o roteiro de Malick tem como base as memórias de Jack (Sean Penn, quando mais velho; Hunter McCracken, na juventude), filho primogênito do casal O’Brien (Brad Pitt e Jessica Chastain) que perde seu irmão tragicamente – fato que afeta a sua família e desencadeia o restante da história.
A obra possui um tom contemplativo, sendo permeada por imagens que mostram a natureza, estabelecendo um vínculo entre o homem e a Terra. Os personagens, em momentos de tristeza, mostrados em meio à imensidão das árvores e o reflexo do céu nas janelas dos prédios da metrópole são imagens que evocam esta fusão.
Um dos diferenciais da obra de Malick é buscar inserir os seres humanos como parte integrante deste planeta, não seus proprietários, como demonstra a maravilhosa sequência do surgimento do Universo. Após ser mostrado o sofrimento do casal pela morte do filho, quando eles se questionam o que fizeram de errado para vivenciar tamanha dor, somos levados a acompanhar os estágios pelos quais a Terra passou para gerar vida, tornando o problema daquela família apenas uma parte ínfima de uma enorme história, o que ameniza o drama para o espectador.
Detalhe interessante a ser notado é que, em uma das sequências do passado da Terra, vemos um ato de compaixão entre dinossauros, ao passo que, mais à frente, Jack, ainda criança, usa o mesmo animal de brinquedo para tentar bater no seu irmão, que acabara de nascer, em uma espécie de ironia adotada pelo diretor.
Com isso, passamos a visitar as memórias de Jack no período de maiores descobertas e contestações, que é a adolescência, e passamos a conhecer as razões de sua amargura e as relações da família O’Brien. O pai é um sujeito rude e exigente, que cobra dos filhos sempre a perfeição. Simultaneamente, ele demonstra carinho, seja com um abraço ou ao pedir um beijo. De certa forma, ele representa a razão, buscando preparar os filhos para garantirem uma boa vida. Em certo momento, o personagem chega a dizer às crianças que elas não podem ser íntegras demais, pois não terão sucesso.
Opondo-se à figura paterna, a senhora O’Brien é uma pessoa que é puro sentimento, possuindo uma relação íntima com a natureza, sendo retratada até mesmo flutuando em certo momento, devido à sua personalidade angelical. A relação de carinho da mãe com os filhos a faz defendê-los dos excessos do senhor O’Brien. Uma sequência ilustra bem essa afeição entre eles, quando o patriarca viaja e as crianças se soltam, gritando e se divertindo. A dualidade entre o pai e a mãe representa o confronto interno de Jack, que se vê dividido entre a razão e a emoção.
Contando com um elenco homogeneamente impecável, A Árvore da Vida também é um primor tecnicamente. O diretor de fotografia, Emmanuel Lubezki, que já foi indicado ao Oscar quatro vezes, faz aqui seu melhor trabalho, trazendo imagens de uma beleza impressionante que permanecem na memória do espectador. Genial também é a trilha sonora de Alexander Desplat, tornando épica a sequência do Big Bang.
Retomando a citação do início deste texto, devo dizer que a brilhante obra de Terrence Malick dialoga diretamente com os tempos atuais, em que a vida vale cada vez menos e somos egoístas por pensar apenas em lucros, em detrimento do outros. Para realmente aproveitar nosso curto tempo aqui, devemos aprender a amar incondicionalmente e viver em harmonia, a beleza da nossa existência nasce disso, como evoca o último plano desta grande obra-prima.
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