CRISTIANO COUTO
Nem mesmo a parte principal da casa que abriga o Crav está sendo utilizada
Com 16 anos de existência, o Centro de Referência Audiovisual de Belo Horizonte (Crav-BH) vem caminhando a passos cada dia mais lentos. Como se não bastasse estar há mais de dois anos com uma produção quase nula de vídeos e sem desenvolver qualquer tipo de projeto cultural, o órgão dispensou, no ano passado, o investimento federal de R$ 125 mil para a implantação do Núcleo de Produção Digital (NPD), que funcionaria como um espaço de fomento e capacitação do setor por meio de oficinas de especialização.
Aliado ao recurso, foram cedidos, a título de empréstimo por comodato pelo Ministério da Cultura (MinC), equipamentos de iluminação e de captação e edição de som e imagem, que também terão que ser devolvidos. A verba e os equipamentos foram cedidos à Fundação Municipal de Cultura depois de estabelecido um convênio entre os governos federal e municipal, em 2007. O dinheiro foi devolvido em 2010, mas as máquinas ainda permanecem intocadas, encaixotadas e encostadas nos porões da sede do Crav, localizada na Avenida Álvares Cabral, 560, no Centro de BH.
A Secretaria do Audiovisual do MinC afirmou, por meio de nota da sua assessoria de imprensa, que, em 2010, empreendeu uma série de contatos por telefone, e-mails e presenciais com a diretoria do Crav no sentido de dar continuidade ao NPD. Porém, “as tentativas não tiveram sucesso”.
Tal situação veio à tona recentemente e deixou a comunidade do audiovisual da capital indignada. “Enquanto todos os outros setores, públicos e privados, estão rezando para conseguir investimento da União, a Fundação Municipal de Cultura despreza essa ajuda. Isso é exemplo do total descaso dessa gestão com a cultura na cidade. O NPD seria uma importante vertente da produção audiovisual da capital, mas, por problemas burocráticos, não foi para frente”, diz o presidente da Associação de Documentaristas e Curtas Metragistas de Minas Gerais (Curta Minas), Marco Aurélio Ribeiro.
Desde o início da atual gestão, em 2009, até hoje, o Crav tem concentrado seus esforços apenas na guarda e manutenção do acervo audiovisual e no atendimento ao público para pesquisas. Para isso, ele conta com quatro funcionários concursados e outros quatro estagiários.
Segundo o produtor e crítico audiovisual Guigo Pádua, vice-presidente do Curta Minas, em épocas anteriores as atividades eram diversificadas e altamente interativas com a comunidade audiovisual da cidade. O Crav chegou a ter mais de 30 funcionários, todos eles especializados. Pádua conta que até 2008, o Crav era ativo na promoção de cursos, mostras, discussões teóricas, além de ser parceiro de instituições de ensino superior na capacitação de profissionais e da iniciativa privada em produções de filmes e documentários.
Única atividade feita atualmente é a limpeza e análise das películas (Cristiano Couto)
“Ficamos meio órfãos depois que a nova gestão entrou no poder. A comunidade audiovisual da cidade está carente de apoio. Faltam políticas públicas para incentivar o setor. Antigamente, o Crav se propunha a trabalhar conosco, agora ele está totalmente ocioso”, afirma.
Problema de gestão
A diretora de Políticas Museológicas da Fundação Municipal de Cultura (setor ao qual o Crav passou a ser subordinado nos últimos anos), Silvana Coser, afirma que a implantação do Núcleo de Produção Digital (NPD) só não deslanchou por dúvidas dos gestores em como formar a equipe de profissionais.
“No convênio com o Ministério da Cultura não ficava claro como deveria ser feita a contratação dos funcionários desse núcleo. Os administradores ficaram sem saber se faziam licitação ou se contratavam profissionais já gabaritados no setor. Como esse problema não foi sanado, resolveu-se não implantar o núcleo e devolver o dinheiro”, explica.
Ela admite a redução das atividades realizadas pelo Crav, mas afirma que isso se deve a mudanças estruturais na Fundação Municipal de Cultura. “De 2009 para cá, houve mudanças de equipes. Antes eram funcionários contratados e, agora, são concursados. O quadro de funcionários foi reduzido, mas ainda não está completo”, ressalta.
Silvana afirma que a principal e primeira responsabilidade é a guarda e manutenção do acervo, atividade para a qual estão dando prioridade nos últimos anos. “O acervo é muito grande e tem nos exigido muito tempo para catalogar, indexar, tratar e limpar. É um trabalho minucioso e muito importante, pois o Crav guarda a memória da cidade”, assegura.
Ociosidade e descaso
Outros problemas presentes no Crav aumentam a insatisfação e sensação de abandono naqueles que fazem parte da comunidade audiovisual da capital mineira. A ociosidade com a qual o espaço da sede da instituição é utilizada e o descaso com equipamentos de filmagem antigos são alguns deles.
No porão da casa onde o acervo do Crav é guardado, várias prateleiras acomodam dezenas de câmeras antigas, que são consideradas verdadeiras relíquias pelos especialistas. Já na parte superior do imóvel, os cômodos estão praticamente vazios.
Para o presidente do Curta Minas, Marco Aurélio Ribeiro, esses materiais que ficam escondidos poderiam ser expostos de forma a compor uma espécie de museu dentro da casa do Crav. “Existia um projeto de transformar o Crav em um museu da imagem e do som, mas ninguém fala mais disso”, diz.
Para o produtor audiovisual Nélio Costa, não adianta se criar expectativas em relação ao Crav se o governo não demonstra interesse em investir em cultura. “Em primeiro lugar, o Crav precisa se definir, precisa dizer qual é exatamente sua função, se é apenas guardar o acervo ou também participar ativamente da produção de material”, ressalta.
Na última quinta-feira (9), a comunidade audiovisual de Belo Horizonte se reuniu para debater o problema e procurar meios de revertê-lo. Uma das soluções apresentadas foi a formação de uma comissão da sociedade civil para tratar diretamente com o governo municipal.
Outra aposta é o aumento do repasse orçamentário para a entidade. O vereador Arnaldo Godoy, presidente da Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo da Câmara Municipal, afirma que tentará, por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aumentar os recursos.
A chefe de departamento do Crav, Vanessa Viegas, diz, porém, que o trabalho de produção de material audiovisual não está descartado, assim como a retomada das parcerias com instituições de ensino na capacitação de profissionais.
“Temos projetos de reaproximação com as universidades públicas e particulares e estamos abertos para discutir a possibilidade de apoiarmos produções. Mas nosso foco é manter em perfeitas condições o acervo. E isso estamos fazendo muito bem”, garante.
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