Este namoro não é novo. Há muito que o Ceará e o Cinema se paqueram, se assediam, ensaiam uma aproximação e, geralmente, acabam por se estranhar. No entanto, 2011 definitivamente foi o ano em que essa relação passou da fase dos “tapas e beijos”. A consagração de diretores cearenses de várias gerações em alguns dos mais prestigiados e disputados festivais de cinema brasileiros e internacionais mostra que algo muito especial está acontecendo neste momento.
O Festival do Rio, no mês passado, foi o último deles. Na noite da premiação, houve fartura de reconhecimento ao talento “made in Ceará”. Petrus Cariry recebeu menção honrosa do júri oficial assim como o prêmio de melhor fotografia para Mãe e Filha, filme em que também assina a direção. Karim Aïnouz levou o troféu de Melhor Direção de Ficção por O Abismo Prateado. A estreante em longa-metragens Roberta Marques recebeu o título de Melhor Filme da Mostra Novos Rumos, com o seu Rânia.
Universos tão diferentes quanto os por onde transitam o cinema de Karim, Roberta e Petrus dão indícios de pelo menos uma qualidade do audiovisual produzido hoje por cineastas cearenses: a polifonia. Tanto de conteúdo quanto de forma. A partir desta constatação, O POVO ouviu esses cineastas premiados para descobrir se realmente há um novo momento na produção audiovisual cearense e saber para onde, afinal de contas, vai o nosso cinema.
“A atual produção do cinema e do audiovisual cearense está certamente vivendo um momento importante e por que não um ‘novo momento’, como você sugere”, responde Roberta Marques. “No entanto acredito que esse ‘novo momento’ tenha suas bases em uma história que começou faz tempo, com Adhemar Albuquerque e que passou por diversas fases, autores, diretores, produtores e cinegrafistas no decorrer de quase um século”.
Karim Aïnouz volta seu olhar para outro ângulo. “Acho que existem várias coisas: o curso de cinema da UFC, a Vila das Artes (os resultados disso já são claramente palpáveis, nos curtas, nos coletivos, nas reflexões, no fluxo de visitantes para estes dois cursos, estabelecendo um contexto intelectualmente rico, dinâmico)”, reflete o diretor de Madame Satã e O Céu de Suely.
E completa: “Os longas premiados pelos últimos editais: o do Joe (Pimentel), o da Roberta, o do Alexandre Veras. Os filmes do Petrus (os dois). Os filmes dos irmãos Pretti e do Guto, o Alumbramento, uma nova geração cheia de vida e de frescor e que trabalha junto, diferente da minha, que era marcada por uma certa atomização. Há inovação, invenção e irreverência. Poderíamos falar de um cinema equatorial, feito no Ceará? Acho animador, e acho que tem tanto frescor. O Ivo Lopes, o Danilo (Carvalho) que faz som... Há originalidade. Isso é muito bom. E muita coisa”.
Como Petrus Cariry estava às voltas com novas filmagens, embrenhado no Sertão nordestino, valeu-se de um porta-voz para responder às perguntas enviadas pelo O POVO. Seu pai, o também cineasta e parceiro em diversos filmes, Rosemberg Cariry falou em nome do clã.
“Uma das características da produção cearense é a diversidade. Você tem um cinema que dialoga com as tradições culturais, um cinema espírita, um cinema histórico, um cinema de viés popular e etc”, analisa Rosemberg. “O cinema experimental e esteticamente mais ousado, tem conquistado mais espaços e reconhecimento nos festivais, mas os cinemas de feições mais tradicionais também têm conquistado público e importantes nichos de mercado”.
E o futuro?
Quando as lentes se voltam para o futuro, para projeções do que vem por aí, o bom humor é o primeiro que se apresenta. “Espero que (o cinema cearense) vá para um lugar bem bom!”, brinca Roberta, para em seguida deixar a seriedade tomar conta da conversa via email.“Mas não podemos nos escorar em prêmios, temos que continuar trabalhando, arriscando, dialogando e produzindo. Isso é só o começo de uma jornada que não tem fim, pois somos parte de um processo, um processo eterno. De uma forma geral acho que levar esse momento a sério é muito importante para tirar proveito dele de maneira profissional, produtiva e criativa. Isso vale para os diretores e produtores, assim como para os investidores”.
“Acho que vai por um caminho marcado pela originalidade, pela inquietação de encontrar novas maneiras de contar histórias, de narrar, um jeito colaborativo, coletivo de fazer e uma vontade grande, um tesão e uma paixão grande por cinema, em um momento de crise do próprio cinema como forma de expressão”, pontua Karim. “Há um sopro de esperança, há uma construção de uma auto-estima que foi ausente por tantos anos né?”.
Rosemberg faz coro com os colegas. “Vivemos um momento crucial, onde já mostramos do que somos capazes na criatividade e na solução das muitas dificuldades para dar visibilidade e inserir a produção cearense no circuito nacional e internacional, mas dependemos agora de um plano estratégico de diretrizes e metas para os próximos dez anos, de forma a planejar as ações para o setor”, afirma.
E agora?
ENTENDA A NOTÍCIA
Com reconhecimento da crítica e do mercado exibidor, a produção cinematográfica cearense é destaque nacional e internacionalmente. No entanto não desfruta da devida atenção das autoridades da área cultural.
Émerson Maranhão
emerson@opovo.com.br
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