sábado, 14 de abril de 2012

Há mais de um século, George Méliès criava a ficção científica no cinema, com o clássico "Viagem à Lua"

A invenção do futuro

Apesar de sua popularidade desde que surgiu, em 1895, o cinema ainda demorou muito tempo para ser reconhecido como a Sétima Arte. As elites intelectuais recusavam-se a considerá-lo um evento cultural, rotulando-o apenas como trivial entretenimento. Seus próprios inventores, os irmãos Louis e August Lumière, desdenhavam do futuro dos filmes e lhes atribuíam uma curta existência. Foi fundamental para a perpetuação da arte cinematográfica a intervenção do mágico e ilusionista francês George Méliès, descobridor das infinitas possibilidades da narrativa através de imagens e criador do gênero ficção científica na tela, com seu hoje antológico "Viagem à Lua", produzido em 1902.

Méliès adquiriu o invento dos Lumiére, mesmo que eles próprios lhe desestimulassem a respeito da compra por não lhe descortinarem qualquer retorno do futuro, e passou a pesquisar a elaboração de pequenos truques com a câmera, tais como fazer pessoas aparecerem e desaparecerem da tela por meio de artifícios de montagem ou alterar-lhes o tamanho, tornando-se, também, o pioneiro dos efeitos especiais. Foi quando o cinema deixou de lado a sua característica até então quase exclusiva de documentário do cotidiano, para tornar-se o espetáculo fantástico que continua sendo até hoje. Méliès transferiu as mágicas que fazia nos palcos dos teatros para introduzir, pela primeira vez, a magia dos incontáveis recursos da Sétima Arte, atribuindo-lhe, com sua criatividade, um conceito e um conteúdo bem mais abrangentes.

O grande pioneiro
De inicio, Méliès produziu uma série de filmes curtos abordando os mais diversos gêneros, desde o terror, em "A Mansão do Diabo", até contos de fadas ou aventuras como "A Torre Maldita". Entre 1896 e 1902, dirigiu e produziu mais de 300 obras. Mantinha seu próprio estúdio, o Atelier des Poses, que é considerado a primeira companhia de cinema, e passou a convencer famosos atores de teatro a atuarem também na tela. Até então, os artistas teatrais tinham preconceitos contra o cinema por considerá-lo um entretenimento de baixo nível.

Le voyage dans la lune (version restaurée) - Georges Méliès



Com o extraordinário êxito obtido por seus primeiros filmes, o irrequieto Méliès ousou realizar seu projeto mais ambicioso e duradouro, cuidadosamente elaborado sob todos os aspectos e representando uma autêntica revolução na época em que foi feito. Em 1902, produziu "Viagem à Lua", primeira incursão cinematográfica de sucesso no campo da ficção científica. Baseado nos livros "Da Terra à Lua", de Júlio Verne, e "O Primeiro Homem na Lua", de H.G. Welles, o filme de Méliès mostrava uma expedição ao satélite terrestre organizada pelo professor Barbeufouillis (interpretado pelo próprio diretor). Na Lua, onde chegam viajando em um foguete disparado por um simples canhão, os aventureiros encontram plantas estranhas, entre elas cogumelos gigantes, e enfrentam os habitantes locais, chamados selenitas, antes de uma volta triunfal a Paris.

Com seus efeitos especiais totalmente inovadores para a época, ao utilizar sobreposições e explosões de fumaça, "Viagem à Lua" tornou-se a primeira superprodução da história do cinema, apesar de ter a duração de apenas 14 minutos. Mas, suas filmagens duraram um mês inteiro, quando era de rotina se fazer filmes em apenas um ou dois dias. Até hoje, pode-se reconhecer o talento de George Méliés pelos planos e sequências satisfatoriamente elaborados. Tornou-se também digna de registro a primeira imagem realmente famosa utilizada na identificação de um filme: o foguete, que conduzia os viajantes, penetrando em um dos "olhos" da Lua. Cinéfilos e estudiosos da Sétima Arte consideram essa imagem o símbolo máximo do pioneirismo no cinema e seu mais expressivo ícone.

Vítima da pirataria
"Viagem à Lua" estreou em Paris no ano de 1902, inaugurando o gênero da ficção científica e, consequentemente, uma nova era no cinema. Só então o público percebeu que poderia ser transportado para as mais fantásticas e inimagináveis aventuras, embarcando numa viagem de sonho e fantasia, tal como ocorre até os dias atuais. Depois de conquistar a Europa, o cineasta francês levou sua obra para os EUA, onde fez idêntico sucesso, mas teve o lado extremamente negativo de gerar a prática da pirataria artística. Cópias do filme foram literalmente roubadas pelo grande inventor Thomas A. Edison (ninguém é perfeito!...) sendo exibidas sem o consentimento de seu real criador. Méliès não chegou a ganhar um centavo nessa história, apesar do alto faturamento de seu filme nas bilheterias dos EUA.

De tão copiados que passaram a ser, a partir de então, os filmes de Méliès passaram a sofrer grande e desleal competição, dando origem a uma sucessão de fracassos que terminou por levar o diretor à miséria. Seu estúdio foi á falência e Georges terminou tendo de vender doces para sobreviver. Na adaptação livre do diretor Martin Scorsese sobre a vida do pioneiro cineasta francês, em seu filme "A Invenção de Hugo Cabret", é mostrado esse aspecto lamentável de sua vida. Mas Scorsese presta, ao final, a grande homenagem que deveria ter sido concedida em vida ao talento e à criatividade desse pioneiro do cinema destinado às multidões. Na produção de Martin Scorsese, Méliès é interpretado por Ben Kingley.

Na atualidade, a ficção científica já se inclui entre os grandes gêneros cinematográficos, tanto na preferência do público quanto pela qualidade artística, como bem provam obras do nível de "2001 - Uma Odisseia no Espaço", de Stanley Kubrick; a série "Guerra nas Estrelas", de George Lucas; "Blade Runner - O Caçador de Androides", de Ridley Scott; "O Dia em que a Terra Parou", de Scott Derrickson, além de tantas outras que permanentemente chegam às telas. Todas elas remetem ao pioneiro caminho descoberto por Georges Méliès há exatos 110 anos, com sua ingênua mas cativante "Viagem à Lua", que descortinou a milhões de espectadores a possibilidade de sonhar acordado, no escurinho de uma sala de cinema.

fonte:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1126458

JOSÉ AUGUSTO LOPESREPÓRTER 

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