sexta-feira, 16 de março de 2012

Chile faz o cinema mais interessante da América Latina

RIO - Uma obra suave, rica de observações sensíveis', definiu o júri do Festival de Roterdã, no início de fevereiro, para justificar a entrega de um de seus três troféus Tigres, os principais da mostra holandesa, para "De jueves a domingo", o longa-metragem de estreia da chilena Dominga Sotomayor. Tratava-se de um prêmio importante para uma jovem cineasta de 26 anos, mas também de uma confirmação: vem do Chile o cinema mais interessante feito na América Latina hoje.

Roterdã repetiu os indícios que vêm sendo dados por festivais como Sundance, Cannes, Berlim ou Veneza, cujas seleções vêm abrindo cada vez mais espaço para a produção de uma nova geração chilena. É uma situação semelhante ao que ocorreu há uma década com os filmes pós-crise financeira do cinema argentino ou com os favela movies do cinema brasileiro. A maior diferença é que, no Chile atual, os filmes não surgem de problemas econômicos ou sociais. São originados de um cinema suave, rico de observações sensíveis.

- Eu acho que o cinema chileno é formado por um grupo de perspectivas pessoais - explica Dominga Sotomayor. - Quando a realidade de nosso país parou de ser tão politicamente controversa, os cineastas pararam de sair às ruas e passaram a fazer filmes menores, sobre elementos próximos a eles. Tenho a sensação de que há uma introversão, que o bom do cinema chileno vem de dentro, não de fora. Vem da emoção, da história diária de seus autores.

Além de Dominga, entre os expoentes do novo cinema chileno estão Pablo Larraín ("Tony Manero" e "Post mortem"), Cristián Jiménez ("Ilusões óticas" e "Bonsái") e Matías Bize ("Na cama" e "A vida dos peixes"). Todos têm sido selecionados e premiados para festivais importantes. "Bonsái" foi exibido na mostra Un Certain Regard do último Festival de Cannes. "Post mortem" esteve na seleção oficial do Festival de Veneza de 2010 e foi eleito o melhor filme da edição de 2011 de Cartagena. E "A vida dos peixes", que deve ser lançado no Brasil em abril, recebeu o prêmio espanhol Goya no ano passado como melhor filme estrangeiro hispano-americano.

- Eu vejo dois elementos principais para entender este momento que vive o cinema chileno. O primeiro é o surgimento, há alguns poucos anos, de escolas de cinema no país. Hoje temos muitos jovens que deixam as universidades prontos para fazer cinema e sem os preconceitos do passado - afirma Matías Bize, de 32 anos. - O outro é o apoio dos fundos do Estado, ainda com valores baixos, mas importantes. Com isso, temos esta nova cinematografia de temas diversos, mas onde se reconhece claramente a autoria de cada trabalho. São filmes pessoais.
A situação do Chile é curiosa porque seus filmes fazem sucesso no exterior, mas ainda têm um resultado discreto no mercado interno. Em 2011, 24 longas-metragens chilenos chegaram aos cinemas comerciais do país, atraindo cerca de 915 mil espectadores. Frente às 17 milhões de pessoas que assistiram a um filme nos cinemas chilenos em 2011, o percentual da participação nacional foi de 5,4%. O número foi comemorado como uma vitória depois de um 2010 ruim para as bilheterias dos filmes chilenos, mas, na mesma comparação entre desempenho nacional e público total, o percentual brasileiro, de 12,6%, foi bem superior.

Porém, também diferentemente do Brasil, não há cota de tela no Chile que obrigue os exibidores a manter um mínimo de filmes nacionais em cartaz. Tampouco há leis de incentivo via renúncia fiscal. O governo atua através de fundos para a produção e ajuda na viagem dos filmes aos festivais internacionais. Um dos responsáveis por cuidar dessas políticas é Alberto Chaigneau, secretário-executivo do Conselho de Arte e da Indústria Audiovisual, um órgão que integra o Conselho de Cultura e Artes. Este último é o equivalente ao Ministério da Cultura do Brasil.

- O Estado chileno não apenas financia a maior parte da produção nacional, como funciona como uma plataforma que sustenta a presença estrangeira desses filmes - explica Chaigneau. - Mas ainda estamos trabalhando para incrementar o percentual do interesse do público nos filmes chilenos. É um número que podemos melhorar substancialmente, considerando a qualidade e o reconhecimento de nossos filmes pelo mundo.

O carioca Sandro Fiorin é um dos sócios da Figa Films, distribuidora e agência de vendas baseada em Los Angeles, cujo foco é justamente a produção latino-americana. Com 18 anos de experiência no mercado, ele vem acompanhando a projeção internacional do cinema chileno com atenção.

- O Chile passa por um bom momento econômico e político. Além disso, eles são isolados geograficamente. Quando eu vou para lá, me sinto mais estrangeiro do que em outro país - diz Fiorin. - O que aconteceu em outros tempos com Brasil, México e Argentina, agora está acontecendo com o Chile. Minha agência comprou os direitos do "De jueves a domingo" assim que vimos um corte, e ele já está garantido em mais de 50 festivais. Agora, estamos começando a trabalhar um filme novo, o "Zoológico", do Rodrigo Marín, que tem no elenco a grande atriz do Chile no momento, a Alicia Rodríguez. Ele passou no Festival de Miami e depois vai para Toulouse.

Alicia Rodríguez é mesmo o rosto deste novo cinema chileno. Quando "Navidad", de Sebastián Lelio, foi exibido na Quinzena dos Realizadores de Cannes em 2009, Alicia tinha 17 anos (ela fez aniversário exatamente no dia da gala do filme). Agora com 20, a moça ainda tem no currículo "Zoológico", "La vida de los peces", "Bonsái" e "Joven y alocada", este último dirigido por Marialy Rivas, selecionado para o Festival de Berlim e vencedor do prêmio de melhor roteiro da mostra World Cinema de Sundance, em janeiro. Nele, Alicia interpretou uma adolescente descobrindo sua sexualidade entre meninos e meninas. Foi um papel ousado e sensível, como tem sido o cinema chileno.

Sundance, aliás, foi o festival que melhor percebeu o bom momento dos cineastas do país. Além do prêmio de roteiro para "Joven y alocada", o grande vencedor da mostra World Cinema de 2012 foi o chileno "Violeta foi para o céu", de Andrés Wood. Famoso pelo sucesso de seu longa-metragem "Machuca" (2004), Wood está com 46 anos e é de uma geração intermediária entre esses novos cineastas que vêm despontando nos últimos tempos e de diretores mais antigos e ainda atuantes como Patrício Guzmán ("A batalha do Chile" e "Nostalgia da luz") e Miguel Littín ("Los náufragos" e "Dawson Isla 10").
Com uma trama focada na vida da cantora chilena Violeta Parra, "Violeta foi para o céu" foi o campeão de bilheteria entre os filmes nacionais de 2011, com 390 mil espectadores nos cinemas do país. Sua realização foi possível graças a um acordo de coprodução entre Chile (60% do financiamento), Argentina (20%) e Brasil (20%). Nesse caso, a responsável foi a empresa paulistana Bossa Nova FIlms, com produção-executiva de Denise Gomes, que promete lançá-lo por aqui até maio.

- De concreto, o cinema chileno vai, lentamente, consolidando-se com uma ampla camada de realizadores de distintas gerações. São cineastas que unem uma sociedade com interesse em ter voz própria e que sonham com nossos idiomas e paisagens - afirma Andrés Wood. - Talvez sejamos divididos entre dois grandes grupos de realizadores: aqueles que querem contar ao mundo quem são os chilenos e outros que querem contar aos chilenos quem nós próprios somos.


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