1.) Para o cinéfilo contemporâneo, A árvore da vida, de Terrence Mallick, eMelancolia, de Lars von Trier, são dois filmes surpreendentes e que atestam a capacidade criadora do cinema nos tempos atuais. Não deixa de ser uma verdade o declínio e, mesmo, o desaparecimento dos grandes realizadores inventores de fórmulas, com a infantilização temática a partir dos anos 70. Com a diversificação dos produtos audiovisuais da indústria hollywoodiana, em função de obras construídas pelos efeitos especiais, o cinema que se vê, hoje, nas telas do circuito comercial, é constrangedor e não suscita, no autêntico cinéfilo, a vontade de deslocamento, de locomoção, no sentido daquele ir ao cinema, pegar uma tela, de antigamente.
2.) Vê-se de tudo, mas muito pouco de cinema. Os personagens não são gente de carne e osso, mas títeres, marionetes, que servem, apenas, para conduzir a ação. Até um macaco pode surgir mais convincente, como alma interior, do que os homens, a exemplo de O planeta dos macacos - A origem, assim como aquele Gollan de O senhor dos anéis. Por outro lado, as salas alternativas podem oferecer alguma substância não encontradiça nos complexos, como Homens e deuses (Des hommes e des dieus), de Xavier Beauvois.
3.) Ainda que não seja hora de fazer balanço, não se pode negar que 2011 foi um ano atípico, com filmes respeitáveis que apareceram no circuito. A árvore da vida e Melancolia estão quase no topo de uma relação que contemple os mais expressivos filmes ao lado de Tetro, de Francis Ford Coppola, Cópia fiel, de Abbas Kiarostami, Meia noite em Paris, de Woody Allen, Além da vida, de Clint Eastwood, Homens e deuses, de Xavier Beauvois, entre outros que não me lembro agora no momento da digitação da coluna. Infelizmente, Tetro, súmula coppoliana de uma arte, de uma vida e de uma paixão, teve lançamento de escanteio, como sói acontecer aos grandes filmes não produzidos pelas grandes companhias americanas, pois o mercado exibidor é 99% controlado pelas multinacionais estrangeiras.
4.) Terrence Malick é um realizador bissexto. Fez quatro ou cinco filmes na vida. Todos excelentes, como Terra de ninguém, Cinzas do paraíso, Além da linha vermelha, O novo mundo e A árvore da vida. Passa anos a escrever seu roteiro. É um perfeccionista, como Stanley Kubrick. O cinema, para ele, é um instrumento de reflexão e de pensamento sobre a condição do homem na terra. É um homem espiritualista ao contrário do dinamarquês Lars von Trier, um cético de carteirinha, que blasfema sobre o silêncio de Deus diante da miséria da existência. Mas dotado de um imenso talento, de uma grande criatividade.
5.) Enquanto isso, o VII Panorama Coisa de Cinema, evento organizado por Cláudio Marques no Espaço Glauber Rocha Unibanco, chegou ao fim. Foi uma semana de intensa participação e muita badalação, com as culturetes habituais soltas no pedaço. Se o cinema baiano sofre e se encontra com o pires na mão, o mesmo não se aplica aos festivais cinematográficos. Em julho, tivemos o Cine Futuro (nome novo do Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, cujo mentor é o cineasta José Walter Pinto Lima). Agora aconteceu o Panorama e, daqui a pouco, em setembro, a Jornada Internacional de Cinema, que está prestes a fazer 40 anos, tendo à frente Guido Araújo - a Jornada de 2013 promete ser histórica com Guido a completar 80 anos. Já? O tempo, realmente, passa rápido e, como diz o poeta, é o caso de se dizer: "Ó tempo, suspende o teu voo!!". A Jornada está a pedir socorros. Encontra-se sem recursos para ser realizada, porque a Petrobras cortou, inexplicavelmente, a verba que sempre destinou a ela.
6.) Se Glauber Rocha está completando 30 anos de desaparecido, Ruy Guerra, outro importante fundador do Cinema Novo, apesar de moçambicano, cumpre, como diz o espanhol, exatos 80 anos, idade que, antigamente, em eras priscas, era considerada uma idade de science-fiction. Se não está à altura da explosão ou do vulcão glauberiano, tem filmes fundamentais, a exemplo de Os fuzis (1963), que filmou em Milagres, cidade miserável do interior da Bahia - e que Glauber, coincidentemente, voltou a ela cinco anos depois para filmar O dragão da maldade contra o santo guerreiro, obra, a de Guerra, de profunda tensão sobre o cerceamento policial a um bando de famintos que tenta estourar um armazém de secos e molhados para saciar a fome. Antes, porém, Ruy Guerra realizou Os cafajestes, em 1962, causando escândalo com a sequência primorosa de Norma Bengell em nu frontal enquanto a câmera, dentro de um carro, faz círculos na areia da praia. Carlos Lacerda, então governador da Guanabara, com seu moralismo hipócrita, interditou o filme que, já lançado, saiu de cartaz. Mas depois foi reposto. Influenciado pela nouvelle vague, Os cafajestes é um filme inovador, que traz questões nunca dantes observadas no cinema nacional. São seus dois filmes mais cativantes. Realizou outros, como A ópera do malandro, A bela palomeira, Erendira, Veneno da madrugada, Estorvo (estes dois últimos intragáveis). Seu nome todo: Ruy Alexandre Guerra Coelho Pereira. Foi casado com duas lindas atrizes: Leila Diniz, a legendária, e Cláudia Ohana.
7) Para quem mora em Salvador, a marginalização em relação às grandes mostras de realizadores superiores é uma constante. No Brasil, houve retrospectivas completas e com os filmes em películas de 35mm - o que, mais adiante, vai ser impossível - de Alain Resnais, John Ford, Alfred Hitchcock e, agora, no Rio, Vincente Minnelli. Mas todas ficaram restritas ao eixo Rio-São Paulo, sendo que uma e outra alcançaram Belo Horizonte e Brasília. Tenho a impressão de que essas grandes mostras estão sendo realizadas para o aproveitamento, ainda, dos projetores que exibem películas em 35mm, pois o futuro é do digital. O que é importante não passa pelas plagas soteropolitanas, embora abundem os eventos cinematográficos, que apenas servem para constatar a falência do cinema contemporâneo.
8.) Um dos grandes críticos brasileiros, Carlos Alberto Mattos, autor de uma primorosa biografia sobre Walter Lima Jr, assim se expressou a respeito deMelancolia: "No primeiro ato, "Justine", o medo tem uma origem doméstica, íntima, interior. Justine (Kirsten Dunst), a noiva vacilante, transforma os sintomas de depressão em atentados ao bom andamento da cerimônia de casamento. Coadjuvada pela mãe superácida (Charlotte Rampling) e pelo pai meio psicótico (John Hurt), ela contesta os rituais da pontualidade, da fidelidade e da submissão. É uma espécie de apocalipse familiar o que ela provoca com suas atitudes. Nesta metade do filme, tudo se relaciona com sua angústia e insatisfação. Desse ponto mais introvertido de uma metafísica da alma, Melancolia passa no segundo ato para uma escala cósmica, um flerte com a filosofia da ciência, em que a fragilidade não é mais de uma pessoa, mas de toda a vida na Terra."
9.) Mais de Carlos Alberto Mattos: "Nomeado "Claire", o segundo ato configura uma fenomenal mudança de escala e uma inversão de pontos de vista a respeito das duas irmãs. Claire, que parecia mais forte e integrada ao círculo das formalidades, revela-se uma mulher avassalada pelo pânico. Justine, a desequilibrada, é quem vai encarar o cataclisma com a serenidade dos que reconhecem o inevitável. Com essa polaridade ousada e vertiginosa, Von Trier cria um ensaio épico sobre o medo dos choques, da perda de estabilidade e da irrupção do caos."
10.) Visitem meu blog: http://setarosblog.blogspot.com
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