segunda-feira, 15 de agosto de 2011

"Classificação não é censura, quem censura é o mercado"


Foto: Fellipe Bryan Sampaio/iGAmpliar
Responsável pelo departamento de classificação indicativa, Davi Pires


Numa sala no terceiro andar do edifício anexo do Ministério da Justiça, o advogado Davi Pires comanda uma equipe de 30 pessoas cujo trabalho é assistir filmes, ver televisão e jogar videogame. Sua missão, no entanto, está além da crítica cinematográfica ou da análise da qualidade dos programas. Ele é o responsável pela classificação indicativa das obras audiovisuais. De seu escritório saem decisões que dizem a quem cada atração é indicada a depender da faixa etária.
Em entrevista ao iG, Davi rechaçou as críticas sobre a possível censura promovida por seu departamento, uma vez que a idade que eles carimbarem numa atração vai determinar se a mesma poderá passar na televisão às 20h, 21h ou só depois das 23h. Para ele, a liberdade de expressão é prejudicada não pela classificação, mas pelo mercado.
“Temos que nos perguntar qual é o direito de expressão? Do autor ou da empresa? Pois também há coisas que o autor quer colocar no ar e a empresa não permite. Se for falar em censura, digo que quem censura é o mercado”.
Advogado que seguiu carreira ao lado de políticos, Davi foi assessor do ex-governador da Bahia Waldir Pires quando este foi deputado federal e ministro chefe da Controladoria-Geral da União (CGU). Sua relação com o audiovisual, no entanto, é de antes. Ele assessorou o então candidato à prefeitura de sua cidade natal, Bagé (RS), Luiz Mainardi, e escreveu o roteiro dos programas de TV do segundo turno das eleições.
Na atividade de roteirista, paralela ao cargo de confiança que exerce desde 2007 no Ministério da Justiça como diretor adjunto do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação , Davi chegou a ser premiado no Festival de Gramado em 2009 com o curta-metragem “Invasão do Alegrete”, uma comédia sobre hábitos dos moradores do interior do Rio Grande do Sul.
Veja abaixo trechos da entrevista com Davi:
Classificação
“Classificamos cinema, vídeos domésticos, televisão, jogos eletrônicos e jogos de interpretação (RPG). Para cinema, vídeos e jogos há uma classificação prévia. A TV é classificada por ela mesma. Depois disso o programa vai ao ar e nós acompanhamos. Se há algum problema nós reclassificamos”.
TV aberta e a restrição de horários
“Temos que nos perguntar qual é o direito de expressão? Do autor ou da empresa? Pois também há coisas que o autor quer colocar no ar e a empresa não permite. Se for falar em censura, digo que quem censura é o mercado. Não acredito em censura em relação aos horários de veiculação. Se quer colocar uma novela no ar às 20h, temos o manual de classificação que é claro, com regras objetivas. É possível contar sua história, sem perdas, de acordo com a classificação e horário que se quer exibir. Os critérios não são segredo para ninguém”.
Pressão sobre as emissoras
“A relação com as emissoras é boa. Sempre podem nos consultar. Quando há reclassificação ela acontece após um longo processo. Mas o que existe é que as emissoras sabem, por exemplo, que a prostituição é um indicativo para 14 ou 16 anos, a depender se há ou não contrapontos para atenuá-la. Eu mesmo ligo algumas vezes e converso, há também advertências formais. Hoje temos interlocutores nas diversas emissoras, falamos geralmente com diretores de programação. A Globo, por exemplo, sempre falava conosco através do departamento jurídico, hoje há diretores e autores que conversam conosco. Se depois de tudo isso não há solução, nós reclassificamos a atração”.
Foto: Fellipe Bryan Sampaio/iGAmpliar
Na mesa de Davi um Kikito pelo melhor roteiro no Festival de Gramado com o curta-metragem "Inavasão do Alegrete" (2009)
Censura
“Temos que nos perguntar o que é censura. Se o Judiciário proíbe um filme, como no caso do ‘Serbian Film – Terror Sem Limites’, não é arbitrário. Isso é do Estado democrático de Direito. Quem foi ofendido pode ir para a Justiça tentar reverter a decisão. Temos que ver o que se considera censura. No caso desse filme, nós classificamos e dissemos que é para maiores de 18 anos, pois não cabe a nós proibir um filme. Aqui nós usamos critérios claros, discutidos com a sociedade, para classificar e indicar a idade. Não é um trabalho arbitrário, é técnico. O Fundamental é proteger os direitos das crianças e adolescentes. Não temos censura. A classificação é para que os pais tenham informação que os auxiliem e saibam o que seus filhos vão ver”.
Nova portaria mais liberal
“Fizemos uma grande consulta pública e estamos criando um só decreto para unificar o que há sobre a indicativa. Nele existe a possibilidade de haver uma flexibilização mais liberal em relação aos horários. Temos um manual de 2006, que aborda especificamente os critérios e as faixas etárias indicadas. Mas alguns pontos não estão em sua forma ideal. Um exemplo é o critério de porcentagem de violência ou cenas de sexo. Mais do que porcentagem temos que pensar na intensidade dessas cenas. O novo texto está sendo analisado pelo Ministro e deve estar pronto nos próximos dias”.
Menores no cinema
“Essa é uma questão polêmica. Sabemos que já houve casos de pai e filhos serem expulsos do cinema. Mas, pela portaria do Ministério da Justiça, ficou estabelecido que o pai pode autorizar seu filho a entrar em filmes com classificação até 16 anos, mesmo ele sendo mais novo. Se a classificação for para maiores de 18, não há como, só mesmo sendo maior. Mas há casos como o do Rio de Janeiro, que a Vara da Criança e do Adolescente é mais rigorosa, e não permite a entrada nem com a autorização dos pais. Tentamos conversar com a Justiça no Rio mas não conseguimos mudar isso”.
TV por assinatura
“A TV por assinatura não tem sua programação condicionada a horários pois todas possuem o mecanismo de bloqueio de canais ou de programação. Assim, o pai pode bloquear aquilo que ele não deseja que o filho assista. Mas vale lembrar que há uma lei no Brasil determinando que todas as TVs fabricadas desde 2000 devam ter um chip que permita esse bloqueio. Na prática, porém, isso não acontece. Se já fosse assim poderia haver uma nova discussão sobre a vinculação da programação ao horário na TV aberta”.

fonte:

Nenhum comentário:

Postar um comentário