Salta aos olhos de qualquer cinéfilo a inabalável buena onda pela qual passa o cinema argentino desde a década de 90. Com produções sofisticadas, a despeito das constantes limitações orçamentárias que enfrentam, de modo geral, os cinemas do eixo sul do planeta, os hermanos vêm se destacando de maneira absolutamente genuína e constante na sétima arte. Fruto dessa safra, “Um conto chinês”, de Sebastián Borenzstein, mostra em seus 93 minutos como contar uma ótima história. O diretor, que também assina o roteiro, possui ampla experiência em séries televisivas e em publicidade, mas não decepciona na linguagem cinematográfica, mostrando uma direção bastante segura, desafiadora e autêntica, e que nos permite uma provocação ao lado de cá, sobre como podem os rodados “diretores de tv” experimentarem algo diferente da convencional transposição de histórias televisivas para o formato cinematográfico.
O filme trata da história do comerciante Roberto De Cesare, – interpretado pelo excelente Ricardo Darín (daqueles atores que nos oferecem uma aula de interpretação e empatia a cada novo filme) – que, obcecado por uma rigidez impreterível na rotina, cronometrada entre cuidar da loja de ferragens , visitar o túmulo dos pais e colecionar casos de mortes bizarras em jornais dos mais diferentes lugares do mundo, tem seu cotidiano absolutamente modificado quando encontra inesperadamente o chinês Jun (Ignacio Huang), que é arremessado a sua frente de um táxi e se encontra completamente perdido por Buenos Aires, sem falar uma única palavra em espanhol. Roberto passa então a auxilia-lo na busca por seu ta puo (tio), que possivelmente estaria na Argentina.
A comédia ganha força na metalinguagem proposta pelo diretor. De modo geral, o filme explora um filosófico jogo que trata da absurda contrariedade em se estabelecer algum sentido nas coisas do mundo – que é demonstrado, sobretudo, nos bizarros e tragicômicos casos de morte em jornais colecionados pelo desencantado Roberto – na mesma medida em que é a própria história bizarra vivenciada pelos protagonistas que curiosamente passará a atribuir um novo sentido à vida de ambos. Os dois personagens passaram por enormes tragédias familiares (e cada qual absurda a seu modo), e é a forma como cada um vai lidar com o luto – Jun se jogando rumo ao completamente desconhecido e Roberto se resguardando no seu peculiar conforto – que traz à tona a incrível sutileza poética dessa obra. Nesse “sentido”, o fato do filme ser “basado en hechos reales” (como somos advertidos no início da película quando uma tragédia acontece na vida de Jun), que causaria um certo espanto dada a sucessão de acontecimentos surreais, pouco importa, já que a intensidade das questões levantadas tem uma uma penetrabilidade em cotidianos diversos.
O sentido, ou ausência dele (que propriamente configura algum sentido), que se pode buscar na inevitável e risonha morte, nas insólitas tramas da vida, na tragicomédia cotidiana, nos faz rir junto com os personagens e, ainda que se trate de uma narrativa clássica, nos restam ao final do filme, mais perguntas do que respostas.
Afinal, que sentido faz a vida? E se faz algum, qual seria?
colaboração e fonte:
Caio Lazaneo (caio@artmafilmes.com)
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