terça-feira, 29 de maio de 2012

O Museu de Arte Moderna (MAM) de Salvador da Bahia, acolhe pela primeira vez dois videoartistas de renome mundial, o suíço Walter Riedweg e o brasileiro Maurício Dias, com uma nova criação em vídeo, intitulada Agua de Chuva no Mar.

Lavadeiras da Bahia entram para o museu

Cena de Água de Chuva no Mar.
Cena de Água de Chuva no Mar. (Maurício Dias / Walter Riedweg)



O filme Água de Chuva no Mar * traça o perfil das mulheres de uma favela que lavam roupa das pessoas abastadas da Cidade Alta de Salvador. Elas lavam até 150 peças por dia para ganhar 30 reais (15 francos suíços). Considerando 20 dias de trabalho, elas chegam a um salário mensal de 600 reais (300 francos).  São elas que sustentam toda a comunidade de 2.500 habitantes da favela Solar do Unhão.

A favela fica num morro de frente para o mar, perto do casarão em que se instalado o Museu de Arte Moderna (MAM). “Trinta anos atrás, essas lavadeiras ainda vinham buscar água do poço”, afirma Maurício Dias. As mulheres foram convidadas para a exposição porque “o acesso à arte para todos é importante para nós.”

 Walter Riedweg continua: "Quisemos mostrar a troca, o ciclo do vai e vem que existe entre as roupas sujas trazidas pelas pessoas ricas da Cidade Alta e essa mesma roupa que, da Cidade Baixa, volta limpa aos seus destinatários.”

Papel fundamental da mulher

“Água de Chuva no Mar” é uma projeção de 19 minutos mostra o papel primordial das mulheres na favela “Solar do Unhão”. De fato, é graças às lavadeiras que toda a comunidade sobrevive”, explica Walter Riedweg. “Os maridos, modestos pescadores, estão frequentemente ausentes e não ganham o suficiente para sustentar uma família numerosa”, acrescenta.

Maurício Dias intervém: "Na favela Solar do Unhão, as mulheres se tornaram o motor econômico da família, até porque os homens encontram pouco peixe no litoral e não têm meios para comprar um barco capaz de navegar em alto mar”. Essa situação mudou o estilo de vida, a divisão de papéis na comunidade dos negros de Solar do Unhão (cujas gerações precedentes eram escravos).

Evidentemente que o filme também fala de água. Da água que serve para lavar roupa. Da água que hoje chega por uma canalização clandestina. As lavadeiras argumentam que a prefeitura de Salvador, o estado da Bahia e o Brasil as ignoram ou, em todo caso, nunca cuidam delas. Por isso elas não veem porque deveriam ainda pagar a água encanada!

Mas não se enganem, essas mulheres são sorridentes e contam suas vidas como humor diante da câmera. Walter Riedweg precisa: "Jamais tivemos a impressão que elas se sentem vítimas do sistema, do trabalho e da realidade cotidiana. Jamais sentimos também que elas se gabavam. Elas aceitam seu destino e sua condição com alegria.”

O filme coloca muitas questões, mas em momento algum da projeção percebe-se uma crítica, uma conclusão rápida ou parcialidade dos dois videoartistas. 

Necessidade dos outros

Pelo contrário, Maurício Dias e Walter Riedweg fazem paralelos entre o trabalho pouco remunerado dessas mulheres e a simples gota de chuva que cai no mar. Os dois artistas chamam a atenção para o fato que as pessoas precisam umas das outras como o oceano é constituído de uma infinidade de água. A água que evapora e recai sobre o planeta. “São ciclos da vida (nascimento, morte) tanto para os seres humanos como para a natureza”, explica Walter Riedweg.

O filme vai ainda mais longe e sugere uma dimensão metafísica. “Estamos em Salvador, terra mística por excelência que recorre às divindades, especialmente do mar. Umas das últimas imagens do filme mostra as flores atiradas ao mar na festa de Iemanjá.


Dias e Riedweg acrescentam: "Insignificante é lavar roupa como insignificante e banal é a gota d’água no oceano. E, no entanto, como o trabalho é importante – uma necessidade – para a sobrevivência de toda a comunidade. Aí tem algo de muito bonito!”

 E os videoartistas questionam: Algo que nos emociona ainda mais é que essas mulheres que lavam a roupa dos outros nos pareceram bem mais felizes em sua condição simples e modesta do muitas pessoas ricas, formadas, cultas que, frequentemente, tomam remédios ou fazem psicoterapia para sobreviver na sociedade consumista brasileira.

Cena de Água de Chuva no Mar
Cena de Água de Chuva no Mar (Maurício Dias / Walter Riedweg)
Zoom

Alteridade e complexidade

Walter Riedweg sublinha ainda: "Essas mulheres da favela Solar do Unhão funcionam de outra maneira do que com o dinheiro como único meio de troca, pois elas sabem que nunca receberão muito. Então elas usam a sedução e sabem da necessidade de agir e reagir juntas para sobreviver.”

Trata.se portanto de um funcionamento social diferente do que se encontra habitualmente na sociedade econômica contemporânea. E “finalmente muito mais complexa”, acrescentam os cineastas que filmaram e questionaram essas mulheres durante mais de 30 horas, em janeiro último.

É por isso que o tema principal do filme é finalmente a alteridade. Através das relações de uns com os outros, da complexidade dessas relações e das contradições do sistema social. Das tensões que a condição humana provocam entre os indivíduos. E, acima de tudo, da forma como estamos envolvidos, ligados. E das estratégias que cada um inventa para sobreviver segundo sua condição social, seu nível cultural e econômico. Agua de Chuva do Mar tem, portanto, vários níveis de leitura: social, econômica, política, metafísica.

É um filme que questiona a visão que temos do outro que é diferente de si. Também é uma criação que provoca uma introspecção psicológica: quem são essas mulheres? O que quer dizer ser uma mulher numa favela? Como é possível para elas ganhar a vida e sustentar a família e toda a comunidade?

 Maurício Dias conclui: “Água de  Chuva no Mar é um vídeo que evoca os outros meios (alteridade) de sobreviver que essa gente tem onde  moram e que relata o que essas pessoas fazem para se aproximar e se distanciar umas das outras.”

* O MAM de Salvador expõe também as seis precedentes instalações dos dois videoartistas até 22 de julho de 2012, com apoio da Pró-Helvetia e do Consulado da Suíça no Rio de Janeiro.

Emmanuel Manzi, Salvador da Bahia, swissinfo.ch

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