sábado, 14 de janeiro de 2012

Cineasta contestador adota tom menos polêmico na China

Quatro anos atrás, Xi Jinping, oficial do Partido Comunista que assumirá a liderança da China, jantou com o embaixador dos Estados Unidos no país. Eles conversaram sobre filmes.

Foto: The New York Times
Zhang Yimou, o cineasta mais importante da China, é visto no Central Park, em New York, em 17/11/2011
Xi disse ao embaixador americano na época, Clark T. Randt Jr., que gostava de filmes de Hollywood que falavam sobre a Segunda Guerra Mundial, de acordo com um dossiê do Departamento de Estado divulgado pelo WikiLeaks. Esses filmes são "grandiosos e verdadeiros" e "os americanos têm uma visão clara sobre seus valores e demarcam claramente o bem e o mal", disse Xi.
Por outro lado, "A Maldição da Flor Dourada", um filme de Zhang Yimou, um dos diretores mais proeminentes da China, concentrou-se demasiadamente em "coisas ruins que aconteciam nos palácios imperiais", acrescentou. "Alguns cineastas chineses negligenciam certos valores que deveriam promover", disse Xi, de acordo com o dossiê.
Agora, Zhang apresentou sua própria versão da Segunda Guerra, um longa que custou US$ 94 milhões para ser produzido, com uma linha bem traçada entre o bem (civis chineses em fuga, com a ajuda dos americanos) e o mal (invasores japoneses). O filme, "The Flowers of War" ("As Flores de Guerra"), que estreou no mês passado na China e em alguns cinemas nos EUA, é o olhar de Zhang sobre o Massacre de Nanjing. O governo chinês estima que soldados japoneses deixaram cerca de 300 mil, incluindo civis e prisioneiros de guerra, no massacre que durou seis semanas e teve início em dezembro de 1937.
O filme é estrelado por Christian Bale, que representa um agente funerário que trabalha com 13 prostitutas na tentativa de resgatar algumas estudantes presas em uma igreja. Ele arrecadou cerca de US$ 82 milhões nas bilheterias chinesas e é o filme oficial chinês a concorrer ao Oscar. No momento, nenhum outro produto cultural ou artista personificam melhor a fome que o Estado chinês e seus cidadãos têm de criar uma cultura que possa atrair os estrangeiros, reforçando uma projeção de "poder suave" da China por todo o mundo.
Além disso, ele exige um certo equilíbrio delicado da parte de Zhang, uma figura controversa que visa a permanecer nas boas graças das autoridades chinesas, mas também preservar sua credibilidade artística internacional, que conquistou como um crítico do sistema político chinês.
"Sinto-me muito sortudo este ano por ter conseguido o apoio do governo chinês para o meu filme", disse Zhang, 60. "Mas isso não faz de mim um representante dele. Também não significa que serei aprovado novamente no futuro."
Na primeira fase de sua carreira, Zhang fez filmes de arte que tinham como cenário a China rural e foram proibidos pela censura chinesa. Na segunda fase, ele fez belos épicos históricos que afastaram muitos dos seus partidários iniciais, que dizem que as narrativas de Zhang agora seguem uma tendência mais partidária.
Então ele teve a oportunidade de escolher o elenco de milhares de pessoas que participariam da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2008. Foi um momento de orgulho para muitos chineses, assim como para Zhang, apesar de alguns críticos dizerem que ele havia se tornado o Leni Reifenstahl da China.
Mas a crítica feita por Xi a Zhang em 2007 mostra que o cineasta não necessariamente é respeitado o tempo inteiro pelos líderes chineses. E Zhang disse que não se enxerga como um porta-voz do governo.
De fato, Zhang criticou o sistema caprichoso do país pelo qual um filme é oficialmente selecionado para concorrer ao Oscar. Essa escolha é deixada para a agência que regula a poderosa indústria cinematográfica local. "Realmente isso deveria ser trabalho de uma comissão de especialistas da indústria cinematográfica, de modo que o filme que é artisticamente melhor seja o recomendado", disse.
Quanto à censura, Zhang afirmou que o roteiro e edição final de "The Flowers of War" tiveram de ser aprovados pelos oficiais, como ocorre com qualquer filme nacional que procura distribuição no país. "Ele não pode ser mudado e estará lá no futuro", disse. "É meu desejo pessoal que o processo se torne cada vez mais tolerante à medida que a sociedade chinesa se desenvolva, juntamente com sua economia, para permitir que pessoas criativas ganhem cada vez mais espaço."
Ele acrescentou: "Os estrangeiros pensam que, porque fiz a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, tenho certos privilégios, mas na verdade não é bem assim. Diante da censura, todos são iguais. Meu filme pode até mesmo estar sujeito a maior escrutínio. Os líderes responsáveis muitas vezes me dizem que meu filme será analisado com mais atenção porque terei um público maior na China e no exterior."
Mas Zhang não traçou uma divisória tão forte entre o sistema chinês de censura e a incapacidade de seus artistas criarem produtos culturais consistentes, que possam conquistar o respeito global. Outros, por outro lado, veem essa situação como causa e efeito. Um deles é Han Han, um romancista e um dos blogueiros mais populares da China, que abordou a questão no mês passado em um ensaio online chamado "Sobre a Liberdade".
"Muitas coisas simplesmente não podem ser compradas com dinheiro", escreveu. "Prosperidade cultural é realmente algo barato de ter. Quanto menor for a restrição, maior será a prosperidade."
Quando lhe perguntam quais de seus filmes são seus prediletos, Zhang nomea seus cinco primeiros, todos realizados de maneira independente e fora do sistema de censura - e isso diz muito a seu respeito.
Dada a sua importância, seria impossível para Zhang contornar o que alguns líderes chineses chamam de rivalidade cultural entre a China e o Ocidente. Esta semana, uma revista do Partido Comunista chamada Seeking Truth (Buscando a Verdade, em tradução livre) publicou um ensaio do presidente Hu Jintao em que disse que "forças hostis internacionais" estão intensificando um complô para "ocidentalizar e dividir a China", dominando assim a sua cultura.
Essa luta não é estranha a Zhang, embora ele não a expresse em termos tão alarmantes. "Precisamos de bons filmes mais do que nunca, porque os de Hollywood colocam muita pressão sobre nós", disse.
"Hoje em dia nos gabamos de quantas telas de cinema temos - 8 mil hoje e amanhã 10 mil ou 20 mil", acrescentou. "Mas salas de cinema são fáceis de conseguir. Não é muito diferente de construir casas. Os chineses conseguem construir casas muito rapidamente. Mas se não temos bons filmes chineses, para quem serão as telas? Hollywood!"
Embora "The Flowers of War" tenha sido o filme que mais faturou nas bilheterias chinesas em 2011, ainda ficou atrás de "Transformers" e "Kung Fu Panda 2".
Muito tem sido dito sobre a ascensão de Zhang de suas raízes humildes. Seu primeiro emprego foi em uma fazenda em sua nativa Província de Shaanxi durante a Revolução Cultural, e ele também trabalhou como operário em uma fábrica de algodão. Ele entrou na Academia de Cinema de Pequim quando ela foi reaberta após a morte de Mao Tsé-tung e filmou o "Terra Amarela", de Chen Kaige, antes de trabalhar em suas próprias produções.
A ideia de seu projeto mais recente veio quando ele leu "Treze Flores de Nanjing", de Yan Geling.
Foto: Divulgação
Christian Bale em "The Flowers of War"
Zhang queria uma lista de atores de primeira linha de Hollywood, e seu amigo Steven Spielberg sugeriu Bale. Zhang e Bale disseram ter trabalhado muito bem juntos no set de filmagem. Não se sabe muito bem o que Zhang achou da visita que Bale tentou fazer a Chen Guangcheng, um advogado de direitos civis cego que está detido sob prisão domiciliar.
Bale, o astro dos filmes mais recentes da série "Batman” teve de afastar guardas hostis. (A entrevista com Zhang foi feita um dia antes de Bale fazer a sua visita.)
O principal financiamento de "The Flowers of War" veio de uma empresa privada, a New Pictures, que pediu empréstimos para um banco estatal, disse Zhang. Várias empresas estatais estão distribuindo o filme pelo país.
O tema da guerra com o Japão e o massacre de Nanjing são comuns na televisão e no cinema chineses, reforçando a inimizade com os japoneses, e a visão de Zhang está em consonância com as representações de brutalidade. "Isso é inegável, assim como o Holocausto", disse Zhang.
Comentários de críticos americanos não têm sido bons. O Hollywood Reporter disse que "beira o preconceito” e apela para emoções fortes. Existem dúvidas se esse será o filme que ajudará a China a alcançar o status de superpotência cultural, mesmo que Zhang reconheça a importância desse objetivo.
"Temos visto muitos incidentes nos quais as pessoas se sentem perdidas espiritualmente quando a cultura fica atrás da economia", disse. "Acho que é necessário que a cultura se desenvolva juntamente com a economia, senão o mundo verá a China como um vizinho rico que não tem cultura".
*Por Edward Wong

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