Embora ainda distante das metas fixadas pelo governo, o setor audiovisual brasileiro vive o boom propiciado pela Lei nº 12.485, que estabeleceu cotas obrigatórias de conteúdo nacional na TV paga. A demanda explodiu em 2013, revelando uma oferta de mão de obra ainda insuficiente. Para responder a esse cenário, Manoel Rangel foi reconduzido ao terceiro mandato como diretor-presidente da Agência Nacional de Cinema (Ancine), até 2017.
Por meio dos cerca de R$ 400 milhões de orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual, Rangel esperaresponder com um novo salto no volume de produção e fortalecer ainda mais as distribuidoras brasileiras. O foco não é investir em cineastas ou criadores, mas em processos coletivos e empresas: “Essa mistificação do autor leva muitas vezes a obras completamente irrelevantes e desconectadas da sociedade”.
Valor Econômico: Qual é a avaliação do impacto da Lei da TV Paga?
Manoel Rangel: Trata-se de uma revolução. Pela primeira vez, um conjunto de filmes foi veiculado na TV, onde sempre deviam estar. Esse quadro exige transformações da indústria, houve uma demanda repentina, revelando limites: mão de obra escassa. Faremos um sistema de monitoramento da programação e também um balanço. Haverá, eventualmente, ajustes no regulamento. Precisamos examinar questões como a ausência de limite para reprises, o que gerou excessos.
Se deu certo na TV, a cota nos cinemas pode ser mais ostensiva?
A cota da TV paga estabelece 3h30 em 42 horas de programação em horário nobre por semana. É relativamente pequena. Nos cinemas, é ainda maior, pois corresponde a 13,8% da disponibilidade das salas. Por que temos a sensação contrária? Porque são mais de 80 canais, em horário nobre, de obras que nunca tinham chegado à televisão. A simples presença de uma produção nacional no cinema não lhe garante visibilidade, pois não fará que o cidadão saia de casa para assistir a ela.
Como pretende atingir metas estabelecidas pelo governo para o cinema nacional até 2015, como 42 milhões de ingressos vendidos, renda bruta de R$ 465 milhões e participação de mercado de 24%, se, no ano passado, foram 27,8 milhões de espectadores, receita de R$ 296 milhões e market share de 18,6%?
A cota de tela não é capaz de dar conta de todos os fatores nem é o nosso principal instrumento. Em países como Alemanha, Reino Unido e França, onde o cinema local possui forte participação, não há cota. Desde 2005, nos dedicamos a fortalecer as distribuidoras brasileiras independentes, que passaram a responder por 80% do cinema nacional. Parece uma obviedade, mas até 2009 as “majors” controlavam o cinema estrangeiro e o brasileiro. Outros vetores importantes são a expansão do mercado de salas e o contínuo estímulo à produção.
Qual é o objetivo das novas linhas do Fundo Setorial do Audiovisual, como desenvolvimento e financiamento automático?
Com orçamento de R$ 40 milhões, o suporte automático vai encurtar os tempos do processo de produção. Os investimentos em desenvolvimento, que totalizam R$ 33 milhões, vão viabilizar entre 200 e 250 roteiros. Desses, serão investidos R$ 18 milhões em núcleos criativos, R$ 10 milhões em laboratórios e R$ 5 milhões em roteiristas. É a base para um salto no volume de produção.
Cineastas reclamam que se um recente edital de roteiro da Prefeitura de São Paulo no valor de R$ 3,9 milhões nem sequer abarcou os paulistanos, R$ 5 milhões são insuficientes para atender ao Brasil.
Não discuto o choro, porque é livre. Não é relevante investir dinheiro em uma pessoa, mas em processos de criação. Não existe este criador, isolado do mundo, sem processo de reflexão, que não submete seu projeto ao debate antes de sua realização. Essa mistificação do autor leva muitas vezes a obras completamente irrelevantes e desconectadas da sociedade. O melhor da produção autoral na história do cinema mundial foi feito em ambientes coletivos, como o Cinema Novo e a “nouvelle vague”.
A pedido da ministra da Cultura, o senhor foi reconduzido ao terceiro mandato, enquanto o sindicato de servidores da Ancine fez campanha pela alternância. Houve desconforto?
Encaro o convite como uma preocupação com este momento estratégico de implementação da nova lei. As críticas pontuais são normais em uma democracia. Nestes nove anos que completo em maio à frente da Ancine, não houve um único momento de paz de cemitério. Ainda bem. Não é o tipo de ambiente propício para construção de política pública.
Não é muito tempo sem renovação?
Temos uma diretoria completa e renovada. Estamos aprovando uma reestruturação que vai dinamizar um conjunto de áreas internas, buscando aprimorar os processos da agência. Procuro ouvir o setor, ler os dados da economia e as tendências internacionais. O esforço tem sido sistemático de renovação. São muitos os desafios, como as questões regulatórias do vídeo por demanda, da distribuição e da exibição cinematográfica, o monitoramento da televisão e dos cinemas e a capacitação profissional. Vivemos um momento-chave na história do país, no limiar de um salto. O Brasil terá uma presença expressiva na cena internacional e o audiovisual terá papel preponderante. Sou feliz por seguir nessa missão.
A meta do governo é consolidar um parque exibidor de 3.250 salas até 2015, distribuídas em 565 municípios. Em 2013, o total de salas foi de 2.679 e o número de municípios com cinemas passou para 392, ante 391 no ano anterior. Faltam investidores para o Programa Cinema Perto de Você deslanchar?
É um problema que a gente já conhecia. Nenhuma dessas metas pode ser executada sem o empreendedor privado. Na Ancine não fazemos os filmes nem dizemos quais devem ser feitos. O papel do Estado é regular e investir no desenvolvimento. Mas vamos conseguir chegar a 3.250 cinemas. Número de municípios com salas não é o nosso principal fator de monitoramento e sim a ocupação por regiões. No Sul, chegamos a 454 salas, no Nordeste, 351, no Norte, 136, e no Centro-Oeste, 241. Neste ano serão abertos entre 200 e 250 cinemas.
Fonte: Valor Econômico
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