quinta-feira, 25 de junho de 2015

DO COLETIVO À PRODUTORA

A coletividade, essencial à realização cinematográfica, ganhou novos contornos com a ascensão das tecnologias digitais e a necessidade de pequenos grupos independentes se adequarem a trâmites burocráticos ou mesmo driblá-los, em casos de produções fora dos esquemas institucionalizados de incentivo e patrocínio à produção audiovisual no país. Nos últimos 15 anos, a palavra “coletivo” foi permanentemente integrada ao vocabulário da área e libertou dezenas de realizadores a voos de criatividade e liberdade como não se via desde o início da Retomada, em meados dos anos 1990. O conceito foi se aprimorando na medida em que os próprios grupos se viam transformados, efetivamente, em produtoras. O símbolo da transição é o registro de empresa e pessoa jurídica, representado pelo CNPJ.


“Doce Amianto” (2013), do Alumbramento, de Fortaleza



Os primeiros passos 

Isso não faz com que coletivos formados em fundos de garagem ou quintais de casa percam a individualidade e a camaradagem entre seus membros. Muito pelo contrário: a “burocratização”, às vezes, potencializa os laços entre os integrantes. O caso da produtora Filmes de Plástico, hoje sediada em Belo Horizonte (MG), é exemplar nesse sentido. A coincidência dos sobrenomes de dois sócios, Gabriel Martins e Maurílio Martins, foi apenas o primeiro passo de aproximação, lá no começo de tudo, quando ambos se conheceram num curso superior de cinema na capital mineira, em 2006. Conversa aqui e ali, os dois se identificaram pelas origens humildes e por serem moradores da mesma cidade – Contagem, município conhecido pela presença de grandes indústrias e fábricas na Região Metropolitana de BH.

As afinidades foram surgindo naturalmente. “Desde os primeiros encontros, eu e o Gabriel já sonhávamos em um dia termos uma produtora para fazer nossos filmes”, conta Maurílio. Em 2009, veio a primeira parceria de trabalho, no curta-metragem “Filme de Sábado”. Na equipe, estavam os outros dois futuros integrantes da Filmes de Plástico: André Novais Oliveira, no som (e também morador de Contagem), e Thiago Macêdo Corrêa (único belo-horizontino de fato do quarteto), na direção de produção. Em cena, a baleia de plástico que, no futuro, tornou-se símbolo e logomarca do grupo. “A gente sempre se reunia levando tudo muito a sério e acreditando que o trabalho do grupo era maior do que os projetos individuais.”

Maurílio Martins, Gabriel Martins e André Novais Oliveira,
integrantes do coletivo mineiro Filmes de Plástico,
 localizado em Belo Horizonte. © Aline Arruda

O ponto de virada da até então informal Filmes de Plástico se deu em janeiro de 2010, quando o curta “Fantasmas”, assinado por André Novais, foi exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes. O filme foi coqueluche no festival e chamou atenção para aquele pequeno coletivo de mineiros. “Acompanhávamos outros grupos surgindo, como o Filmes do Caixote (SP), Alumbramento (CE) e a Teia (MG). Também queríamos fazer algo assim, do nosso modo e com a nossa identidade”, relembra Maurílio. No mesmo ano, ele e Gabriel levaram o troféu de melhor direção no Festival de Brasília com o curta “Contagem”, projeto de conclusão do curso de cinema e realizado com apenas R$ 2.000,00.

Trio por alguns anos, a Filme de Plástico se formou e se organizou em definitivo com a entrada de Thiago Macêdo, em 2012. Hoje, possui sede própria numa simpática casa no bairro Prado, em BH, onde centralizam reuniões, projetos, decisões e trabalhos. Filmes sempre muito elogiados têm vindo um atrás do outro, com inserções em grandes festivais internacionais, casos dos curtas “Pouco Mais de um Mês” (2013), de André Novais, premiado com menção honrosa na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, e “Quinze”, de Maurílio, selecionado para várias mostras; e do longa “Ela Volta na Quinta”, de André, apresentado no FID-Marseille, na França, e no Festival de Brasília, em 2014. O mais recente curta da equipe, “Quintal”, assinado por André, levou a turma novamente a Cannes em maio de 2015. “Sobreviver individualmente no cinema é muito difícil, por isso ter um grupo que amplifica as suas ideias é fundamental”, reforça Maurílio.
Longa-metragem “Ela Volta na Quinta”,
de André Novais, integrante do Filmes de Plástico,
e exibido em festivais no Brasil e no exterior. © Gabriel Martins

Laços de amizade

No caso da Símio Filmes, coletivo formado em Recife (PE), a formalização como produtora, por volta de 2008, foi apenas em termos burocráticos. “Nossa organização continua tão mambembe quanto era na época da faculdade, quando nos conhecemos”, conta Marcelo Pedroso, um dos atuais três integrantes do grupo – os outros dois são Juliano Dornelles e Daniel Bandeira. Um quarto membro, Gabriel Mascaro, esteve junto com eles até 2012, quando se desligou para fundar outra produtora. “Há nossa ‘pessoa jurídica’ que responde pelos filmes, mas continuamos sem sede própria. Na verdade, temos uma sede ‘itinerante’, na casa ou na garagem de alguém. Mantemos os aspectos formais para pleitear financiamentos ou algum arranjo para a produção de filmes, enquanto, entre nós, seguimos num hibridismo mutante que se reconfigura ao seu jeito a cada novo trabalho”.

Assim como a Filmes de Plástico, a Símio brotou em épocas de faculdade, a partir de encontros no Centro de Comunicação e Artes da UFPE, no começo dos anos 2000, quando chegou a ter, informalmente, uma dezena de integrantes. “Teve uma ocasião em que a turma dormiu na minha casa para irmos de madrugada filmar um curta do Daniel, “O Lobo do Homem”, lá na universidade. Aproveitamos e fizemos outros pequenos trabalhos, tudo na fuleragem mesmo. Foi quando a gente pensou: ‘temos algo aqui, nisso de trabalhar juntos’”, relembra Pedroso.


Cena do longa “Brasil S/A” do coletivo Símio Filmes, de Pernambuco, dirigido por Marcelo Pedroso, em que integrantes se conheceram na faculdade

Com cada antigo membro seguindo outros rumos, o coletivo enfim se fixou com Pedroso, Dornelles, Bandeira e Mascaro. Juntos, realizaram vários filmes de boa circulação em festivais, o primeiro sendo o longa “Amigos de Risco” (2007), de Daniel Bandeira, que competiu no Festival de Brasília ao lado de nomes de peso como Julio Bressane e Carlos Reichenbach. Outros títulos se seguiram nos anos posteriores, muitos até hoje presentes em rodas de discussão e polêmica, como “Pacific” (2009), de Pedroso, e “Um Lugar ao Sol” (2010), de Mascaro. Em 2014, o mais recente longa do grupo, “Brasil S/A”, de Pedroso, levou troféus de direção, roteiro, trilha sonora, som e montagem no Festival de Brasília.

Sobre a experiência de ter um coletivo/produtora como a Símio, Pedroso é direto: “É instável, inconsequente e apaixonante. São os laços de amizade que permitem as coisas se concretizarem. Precisa também de uma zona de convergência em que sejam reconhecidas as afinidades estéticas e afetivas dos integrantes. Na verdade, a estética até pode ser divergente, mas é importante o diálogo e o interesse em relação aos gestos criativos dos outros, sempre com disposição para escutar as diferenças. A divergência, de fato, tem que ser uma força-motriz para fortalecer o grupo”.


Marcelo Pedroso, do coletivo pernambucano Símio, no Festival de Brasília, recebendo o troféu de melhor direção por “Brasil S/A”, um dos cinco prêmios conquistados. © Junior Aragão

Se firmando como produtora

Se algo difere a trajetória dos integrantes da Alumbramento (CE) de seus colegas Filmes de Plástico e Símio, é apenas numa questão formal: a ambição, desde o princípio, de terem uma produtora de fato e legalizada. “O coletivo surgiu justamente a partir dessa necessidade e da nossa vontade de criarmos uma força maior na cidade de Fortaleza”, relembra Luiz Pretti. Ele e o irmão Ricardo se uniram a um grupo de aproximadamente dez pessoas, que aos poucos foi diminuindo para os atuais seis: Guto Parente, Pedro Diógenes, Ivo Lopes Araújo, Carol Louise e os próprios Luiz e Ricardo.

A fundação da Escola Audiovisual de Fortaleza, em 2006, e os encontros e conversas na Alpendre Casa de Arte, onde um dos fundadores, Alexandre Veras, era figura essencial, foram os núcleos onde brotou o que viria a se tornar a Alumbramento. Trabalho em conjunto foi inevitável, e a primeira oportunidade veio através da iniciativa de Ivo Lopes, hoje um dos diretores de fotografia mais requisitados do cinema brasileiro independente. “Quando estava finalizando o primeiro longa dele, “Sábado à Noite”, em 2006, o Ivo nos procurou, porque queria montar uma produtora que ajudasse a conseguir recursos através de editais de financiamento”, conta Luiz. Naquele mesmo ano, nascia o primeiro filme assinado já como produção Alumbramento: o curta “Às Vezes É Mais Importante Lavar a Pia do que a Louça ou Simplesmente Sabiaguaba”, com direção dos irmãos Pretti.


Guto Parente, Ricardo Pretti, Pedro Diógenes e Luiz Pretti, do coletivo Alumbramento, recebendo o prêmio da crítica da Mostra Tiradentes de 2010, pelo primeiro longa, “Estrada para Ythaca”. © Leo Lara

Em janeiro de 2010, o longa “Estrada para Ythaca” provocou frisson na Mostra de Tiradentes, ganhando o Troféu Barroco dado pelo júri da crítica. Assinado por Irmãos Pretti & Primos Parente, o filme se tornou exemplo de um trabalho coletivo feito sem grandes recursos, equipe reduzida (os diretores eram também os atores) e liberdade irrestrita na realização e na estética. “De alguma forma, ‘Ythaca’ respondeu a alguns anseios e questões que existiam na produção independente, sobre como filmar sem dinheiro, superar o sistema hierarquizado de equipe e vencer o obstáculo da centralização da produção no sudeste brasileiro”, diz Luiz Pretti.

Prestes a completar dez anos, a Alumbramento tem filmografia repleta de realizações bastante notórias, como “Os Monstros” (2011), “Doce Amianto” (2013), “Com os Punhos Cerrados” (2014) e “A Misteriosa Morte de Pérola” (2014). O que os faz continuar e terem engatilhados diversos projetos para os próximos meses é o que Ricardo Pretti chama de “vontade de confirmar a rebeldia e fazer as coisas fora do padrão estabelecido”.


“Estrada para Ythaca” primeiro filme do coletivo cearense Alumbramento, realizado com poucos recursos, mas que garantiu a continuidade do grupo.

fonte: Made In Brazil - http://revistadecinema.uol.com.br/2015/06/do-coletivo-a-produtora/

colaboração: 

Phillip Banks

A ımagem: representação da mulher no cınema

O cinema clássico americano convencionou uma série de códigos de linguagem, resumidos em um manual do discurso narrativo, amplamente aceita pelo público. O star system, movimento industrial cinematográfico instalado em Hollywood a partir da década de 20, assentou as bases da construção narrativa clássica cinematográfica e os elementos formadores do imaginário ocidental. 






A partir da segunda onda do movimento feminista, ocorrida na década de 70, a teoria feminista do cinema demonstrou que a posição das mulheres nos enredos dos filmes hollywoodianos sempre foi a do outro, nunca a de sujeito da narrativa, e que sempre foram tratadas como objetos do voyeurismo masculino. 


Afirma-se que o cultural é uma área de intervenção da ideologia, e se a imagem representada da mulher é uma imagem estereotipada, pode-se dizer que a construção social da mulher, aquela trabalhada pelas diferentes mídias (seja por revistas e anúncios, seja por cinema e televisão) é baseada em critérios preestabelecidos socialmente e impõe uma imagem idealizada da mulher. (LAURETIS, 1978, p. 28). 


Esses estereótipos impostos à imagem da mulher funcionam como uma forma de opressão, pois transformam a mulher em objeto, nulificando-a como sujeito e recalcando o seu papel social. A teoria feminista do cinema A teoria feminista do cinema é um trabalho emergente no Brasil, tendo iniciado somente no fim da década de 80 e até hoje é muito pouco difundida. 




Partiu de um posicionamento teórico de um grupo de realizadores/teóricos britânicos e norteamericanos, na década de 70, e iniciou toda uma nova linha de pesquisa voltada às questões da representação da mulher no cinema. Parte de uma releitura do star system americano e da fascinação do público por atores no cinema. Esse trabalho deu origem à hoje reconhecida teoria feminista do cinema, presente atualmente em todo e qualquer estudo sobre a imagem.


Segundo a visão de Jean-Louis Baudry, um dos maiores teóricos do movimento, citado por Francesco Casseti em seu livro Teorias do cinema: 1945-1995, essa teoria tem como objetivo 


fornecer provas adicionais à idéia de que o cinema, sobre o disfarce de uma “máquina” que meramente obedece a leis científicas, realmente tem efeitos ideológicos devido à forma real em que é concebido. Estes efeitos gravitam ao redor de dois fenômenos: o ocultamento do trabalho que converte a realidade dentro da representação cinematográfica e a construção de um sujeito transcendental que serve como um apoio à audiência. (CASSETI, 1999, p. 194). 


Para tanto, parte de uma análise textual da representação histórica da mulher no cinema, através de uma releitura da narrativa clássica cinematográfica e da forma pela qual o filme clássico produz significados, fundamentando-se nos conceitos emprestados da psicanálise, mais especificamente, no trabalho de Lacan.


Lacan procede a uma releitura das teorias de Freud à luz dos conceitos da 67 linguística estrutural, concebendo sua teoria do inconsciente, estruturada como se fosse uma linguagem em termos de um aparato conceitual. Dada a intenção de contextualizar a teoria feminista do cinema dentro da realidade brasileira, procura-se analisar o processo de emancipação da mulher brasileira sob a égide da ideologia capitalista, sistema dominante em nossa economia terceiromundista, e os reflexos decorrentes das relações de poder em uma sociedade patriarcalista. A partir dessa análise, percebe-se que a nossa realidade se encaixa fortemente nas novas linhas de pensamento, propostas pelos teóricos feministas, como em peças de um complexo quebra-cabeça:


A mulher, desta forma, existe na cultura patriarcal como o significante do outro masculino, presa por uma ordem simbólica na qual o homem pode exprimir suas fantasias e obsessões através do comando lingüístico, impondo-as sobre a imagem silenciosa da mulher, ainda presa a seu lugar como portadora de significado e não produtora de significado. (MULVEY, 1977, s/p.).




Durante décadas defendeu-se o baixo nível de educação da mulher brasileira em nome da família, garantindo, assim, a formação ideológica do indivíduo e reforçando a divisão de classes. Ao lado disso, a Igreja e o Estado ajudaram a reprimir e a reforçar o que já era imposto pela família. A sociedade brasileira criou um constrangimento físico e moral à mulher através da família patriarcal. A hegemonia masculina, de dominação e poder, marca profundamente a vida e a mentalidade da mulher brasileira. Devido a todos esses pressupostos acerca da natureza feminina na sociedade patriarcal, as mulheres passaram a “aceitar estereótipos patriarcais de si mesmas; a encarar-se – seu corpo, sua sexualidade, o intelecto, as emoções, a própria condição de mulher – com os olhos masculinos”. (CAPRA, 1988, s/p.). 


O que se conclui é que foram os homens os produtores das representações femininas existentes até hoje, e essas estão diretamente associadas às formas de a atual mulher ser, agir e se comportar. O que se discute é o fato de a mulher contemporânea buscar se enquadrar em uma imagem projetada de mulher que, na verdade, é aquela que eles gostariam que ela fosse, a partir de representações femininas cunhadas pelos meios de comunicação e, principalmente, pelo cinema.


São atitudes e comportamentos balizados por imagens amplamente divulgadas no cinema e que serviram e servem de modelo a todas as mulheres. O que a teoria feminista do cinema procura demonstrar é que esses estereótipos impostos à mulher, através da mídia, funcionam como uma forma de opressão, pois, ao mesmo tempo que a transformam em objeto (principalmente quando endereçadas às audiências masculinas), a anulam como sujeito e recalcam seu papel social. 




Esse recalcamento da mulher encontra ampla divulgação nos filmes produzidos pela indústria americana, principalmente naqueles que se convencionou chamar cinema clássico americano. Encontra-se inserido no discurso narrativo desses filmes e é uma forma de recalcamento pelo sexo, a favor de uma economia capitalista patriarcal. Ao mesmo tempo que procura justificar a repressão social da mulher, projeta a imagem da mulher ideal, a favor da acumulação de capital. 


A narrativa clássica cinematográfica A partir do estudo do star system hollywoodiano, encontram-se as bases da construção narrativa clássica cinematográfica e os elementos da formação de nosso imaginário. O cinema americano clássico serviu e serve de modelo às cinematografias de todo o mundo, sendo exemplo não só na sua forma de produção e realização, como também em sua forma de representação, o que transcendeu suas fronteiras e povoa o imaginário ocidental. “O imaginário é a ordem que governa a experiência (ou “auto-reconhecimento errôneo”) que tem o sujeito de si mesmo com a totalidade. Assim, [...] o imaginário é o lugar das operações ideológicas”. (KUHN, 1991, p. 61).


O específico cinematográfico, ou seja, a montagem, a iluminação, a composição de imagens, o enquadramento fotográfico, o movimento da câmera, etc., ou seja, aquilo que se convencionou chamar linguagem cinematográfica, é elaborado durante a realização de um filme, com a finalidade de construir significados. 


A construção da imagem – cenários, figurinos, maquiagem, etc. – a composição da imagem na tela, o movimento dentro do quadro dos atores, gera significados relativos à espacialidade do enredo. O enquadramento combinado com a movimentação da câmera pode induzir a uma dada significação dentro da narrativa.


A decupagem, ou seja, a divisão do filme em planos, cenas e sequências, conduz à 69 criação de uma temporalidade e de uma espacialidade próprias àquela narrativa/ trama. O trabalho da câmera em planos mais fechados leva a uma densidade psicológica do personagem, ressaltando detalhes de expressão e, principalmente, a montagem em continuidade, institucionalizada pelo cinema clássico. 


Essa, além de construir uma espacialidade e uma temporalidade únicas, representa o artifício mais contundente para a representação de um mundo coerente que o cinema almeja alcançar e que nos meios teóricos do cinema é conhecido como a “impressão de realidade”:


O cinema é particularmente propenso a dar essa aparência de “naturalidade”, devido às suas qualidades significantes específicas, em especial pelo fato de que a imagem fílmica, ao fundamentar-se no registro potencial da fotografia unido à projeção de uma imagem aparentemente móvel, apresenta toda a aparência de ser “uma mensagem sem código”, uma duplicação não mediatizada do “mundo real”. (KUHN, 1991, p. 99).


Infere-se que a narrativa clássica, diferentemente do que é expresso na tela, é construída através da utilização de uma série de códigos de linguagem (sonoros e visuais), que pode ser sintetizada em um verdadeiro manual do discurso narrativo. Essa manipulação intencional da linguagem audiovisual é aceita plenamente pelo público em geral, e seu objetivo principal é o de criar uma verossimilhança com a realidade, passar-se pelo mundo real. A produção de uma linguagem está ligada ao trabalho e ao modo de produção nela envolvidos. 


No caso do cinema, a produção de significado se dá através de uma pluralidade de discursos. Devido ao monopólio que ainda exerce no mercado de exibição, o cinema americano e, mais especificamente o cinema americano clássico, aquele ligado às ideologias dos grandes estúdios, produz significados que circulam e, sendo incorporados socialmente através dos anos, encontram-se presentes na formação social do indivíduo exposto a esse tipo de comunicação. Portanto, o cinema clássico não só disseminou uma forma de produção de filmes, mas também e, principalmente, valores e ideologias enraizados socialmente e enraizados em nível de sujeito, num processo contínuo desde a sua instalação. 


É fundamental considerar-se a sua importância à formação ideológica do sujeito e às construções sociais:


O cinema foi estudado como um aparato de representação, uma máquina de imagem desenvolvida para construir imagens ou visões da realidade social e o lugar do espectador nele. Mas, [...] como o cinema está diretamente implicado à produção e reprodução de significados, de valores e ideologia, tanto na sociabilidade quanto na subjetividade, é melhor Gubernikoff, Giselle. A imagem: representação da mulher no cinema 70 entendê-lo como uma prática significante, um trabalho de simbiose: um trabalho que produz efeitos de significação e de percepção, auto-imagem e posições subjetivas, para todos aqueles envolvidos, realizadores e espectadores; é, portanto, um processo semiótico no qual o sujeito é continuamente engajado, representado e inscrito na ideologia. (LAURENTIS, 1978, p. 37).


O que se discute aqui é o fato de que desde o início da história do cinema como espetáculo, em um século em que cresce o domínio da imagem, o cinema americano foi conivente com as ideologias patriarcalistas, originando a representação de uma imagem da mulher “cativa” dentro desse contexto. 


Audiência Analisando-se o star system como fenômeno social, observa-se que foi o público o responsável por essa tendência em transformar os atores dos filmes em heróis, em transformar o cinema em um ritual de “projeção-identificação” (ASTRE, 1976, p.17), processo esse que se realiza em nível de espetáculo. Ou seja, do ponto de vista do público, o star system pode ser considerado um fenômeno social, em que as estrelas do cinema são cultuadas como deusas do Olimpo. 


Pode-se perceber uma mitologia que se situa no limite entre a crença e o divertimento, entre a estética, a mágica e a religião. Esse fenômeno se explica em parte porque a tela, com sua especificidade fílmica, funciona como um espelho para a plateia, pois envolve a presença humana, ou seja, o ator. Nesse processo, o espectador cria uma identificação afetiva com o espetáculo. Por outro lado, explica-se o fenômeno do star system pela própria evolução histórica e social da burguesia e, consequentemente, da economia capitalista que fundamenta a produção cinematográfica. 


A mitologia que abrange o star system justifica-se em função da evolução da vida urbana burguesa e envolve mais fortemente mulheres e adolescentes, que agem de forma cultural mais ativa e integradora. Eles são considerados elementos de modernidade em nossa sociedade


O star system exprime aspirações profundas da sociedade capitalista através de suas deusas, transformando-as em mercadoria. A indústria cinematográfica somente encorajou essa necessidade, e, já em 1950, um levantamento apontou que 48% do público feminino e 36% do público masculino escolhiam seus filmes a partir do elenco.


A estrela não só representava uma personagem, no sentido de interpretar, mas ela 71 também personificava a melhor maneira que um indivíduo pode tomar diante dos problemas da vida. O star system trabalha sobre esses estereótipos recorrentes na sociedade e que permitem uma identificação do espectador através de traços de personalidade e expectativas comuns à maioria deles. Isso justifica a existência das “estrelas” cujas funções principais passam a ser de modelo de comportamento, de exorcizar demônios ou de serem simplesmente instrumento da catharsis que envolve qualquer espetáculo. 


Mas a estrela é, antes de tudo, um produto industrial. Inserida no contexto da mercadoria “filme”, a estrela é um artigo manufaturado e submetido a uma metamorfose pelo estúdio. Maquiagem, fetichismo e outros recursos Teoricamente falando, como se dá esse processo? As diferentes linhas teóricas ligadas ao cinema e ao feminismo partem da teoria de Levi-Strauss sobre a mulher como objeto de troca, mercadoria fundamental para a estabilidade social, na qual deve permanecer como infraestrutura irreconhecível, tanto social como culturalmente. Isso estaria ligado diretamente ao status da mulher na sociedade capitalista. Segundo ele, o que se propõe é a eliminação da subjetividade feminina em detrimento de sua comercialização. (DOANE, 1996, p. 119). 


Os filmes do star system, tendo seu enredo construído em torno do desejo centralizado em um par romântico, estabelecem uma relação erótica que nunca se concretiza na tela. Esse puritanismo é fruto dos códigos de produção vigentes na Hollywood da época. Essa negação do sexo tem na maquiagem sua principal aliada.


Para Morin, em seu livro As Estrelas, a maquiagem no cinema adquiriu a mesma função da maquiagem teatral, a de “permitir e fixar um fenômeno de posse [...]. O corpo ideal das estrelas revela uma alma ideal”. (MORIN, 1972, p. 40). Nesse sentido, outros códigos específicos da realização cinematográfica foram incorporados à idealização da representação da mulher. 


Por exemplo, a fotografia: durante as filmagens, a câmara deve observar os ângulos do ponto de vista, para corrigir a altura das estrelas, escolher o melhor perfil, eliminar rugas e todas as transgressões à beleza. A iluminação deve distribuir sombras e luz sobre o rosto de acordo com as exigências de uma beleza ideal. Gubernikoff, Giselle. A imagem: representação da mulher no cinema 72 Por outro lado, é com a fetichização da imagem da mulher no cinema que se rompem tabus, ao se anexar adereços do vestiário masculino à indumentária das estrelas. Nesse sentido, historicamente, justifica-se o uso (a introdução) pelas atrizes em cena de calças cumpridas, de gravatas, chapéus e bengalas, nesse jogo de sedução e identificação entre a estrela e seu público, o que acaba por ocasionar uma revolução na própria moda. Um exemplo de atriz que vem logo à mente é Marlene Dietrich com seus adereços e poses masculinas.


Para o psicanalista Freud fetichismo é a substituição de um objeto ou coisa no lugar de outra, uma forma de distanciamento de uma possível ameaça (nesse caso, a ameaça representada pela mulher ao homem). Já o narcisismo confunde a diferença entre sujeito e objeto e é um mecanismo associado, especificamente, ao desejo feminino. A empatia afetiva da mulher com a mercadoria no cinema se dá através do olhar, quando ela divide os mesmos atributos com o que está na tela. E o que está na tela é dominado pela indústria da mercadoria:


Em seu desejo de trazer as coisas da tela mais próximas, para se aproximar da imagem corporal da estrela, e para possuir o espaço no qual ela reside, a espectadora mulher experimenta a intensidade da imagem como brilho e exemplifica a percepção própria do consumidor. A imagem cinematográfica para a mulher é ambos, vitrine e espelho, uma simples maneira de acesso à outra. O espelho/vitrine, então, toma o aspecto de uma armadilha enquanto a sua subjetividade torna-se sinônimo de sua objetivação. (DOANE, 1996, p. 131, grifos nossos).


Negadas socialmente em seu voyeurismo e desejadas como objeto pelo voyeurismo masculino, as mulheres foram estimuladas em seu narcisismo. Originalmente caracterizadas como objetos a serem trocados, tornaram-se alvo da economia capitalista como consumidoras, numa relação bastante explícita entre consumismo e cinema. 


O cinema dominante envolve a espectadora feminina, que é orientada em seu desejo em direção a uma ordem social e a uma posição do significado dentro da imagem. Representada como o próprio local da sexualidade, objeto fetichizado, o cinema especifica a mulher nessa ordem a partir do qual se cria a identificação. Nossa cultura difundiu a ideia de que o corpo da mulher é um espetáculo a ser olhado, e que essa deve conhecer o seu lugar (provavelmente à beira de um tanque ou fogão).


A mulher na narrativa Nesse caso, a mulher é mais uma das estruturas que regem o argumento em um grupo de outras estruturas narrativas. Nessa perspectiva, o que se percebe é que a estrutura-mulher, dentro da trama, está sempre associada a uma função narrativa ligada a algum elemento masculino. (KAPLAN, 1995). Se há alguma ruptura em seu papel durante o desenvolvimento do filme, no fim ela voltará sempre para seu devido lugar social e familiar. 


Caso isso não aconteça, no transcorrer do enredo, será castigada por sua transgressão. O cinema narrativo clássico criou uma identificação da mulher através de uma sedução em direção à sua feminilidade. Ao produzir imagens, o cinema produziu imaginação, criando afetividade, significação e posicionando o espectador em relação ao desejo. Feminilidade tornou-se, assim, sinônimo de atração sexual e, portanto, disponibilidade para os homens. A mulher interiorizou os conceitos divulgados pelo cinema clássico como se fossem a sua própria identidade. 


Nesse processo, foi objetivada como consumidora. De um lado, de uma ideologia – a capitalista, e, de outro, de um produto – sua própria feminilidade. Enfim, ela só é mais um dos elementos na estrutura da sedução. Considerações finais


Desde então, o star system faz parte integrante da indústria cinematográfica, que, em seus enredos, trabalha constantemente com arquétipos ou estereótipos, como a jovem inocente, a vamp, a prostituta e a divina. A divina, ou diva, situa-se entre a jovem inocente e a femme fatale, aquela que sofre, mas faz sofrer, encarnada historicamente por Greta Garbo. 


Mesmo com o grande avanço da emancipação feminina, nos anos 60, as mulheres do cinema ainda são construídas com base nesses estereótipos, escondendo-se atrás de um romantismo exagerado e sem nenhuma indicação sobre o modo real de sua vida. Simplesmente ignora-se o feminismo no cinema. As atrizes e suas personagens, sempre concebidas como arquétipos, de vamps a mães, serão continuamente vítimas de si mesmas ou de contingências externas. E, mesmo que reajam contra isso, nunca se veem nas telas verdadeiras heroínas,


mas sobretudo pessoas inexpressivas e passivas e, não muitas vezes, reacionárias. Devido a esses fatores sociais, o cinema sempre ficou atrasado em relação a toda revolução sexual. Na história da cinematografia brasileira, podemos observar uma forte influência do sistema patriarcal e de seus valores, já que a participação da mulher na sociedade nunca foi total. 


Os mesmos conceitos se reproduzem, o da mulher como objeto ou como não participante da sociedade produtiva, já que a cultura oficial sempre esteve nas mãos das classes dominantes. O star system chega ao Brasil como um modelo importado, sem tentar encontrar caminhos próprios ou, na melhor das formas, imitando-o: “Nosso modelo era o cinema norte-americano [...]. Dentro de nossa conjuntura é natural que tentemos imitá-lo.” (PARANAGUÁ, 1984, p. 108). Dentro de uma linha bastante nacionalista, a revista Cinearte, distribuída de 1926 a 1942, foi fundamental para o nascimento de uma consciência cinematográfica nacional, embora baseada em um modelo americano. 


As reproduções fotográficas das atrizes do cinema brasileiro, nos meios de comunicação impressos, foram o principal meio utilizado para divulgá-las, já que seus filmes eram pouco vistos. Ao mesmo tempo, a Cinearte foi o melhor instrumento para a incorporação do modelo hollywoodiano aqui


Carmem Miranda é a única estrela brasileira da época a conseguir projeção internacional proveniente de filmes carnavalescos das décadas de 30 e 40, que se transformaram em verdadeiros êxitos de bilheteria no Brasil. Mais tarde, esses filmes desembocariam na chanchada das décadas de 40 e 50, em sua grande maioria, filmes populares, em que reinava a improvisação e a espontaneidade e que exploravam, entre outros temas, uma sátira ao modelo de cinema norteamericano. Quando Cecil B. De Mille lança o épico “Sansão e Dalila” (1949) pela indústria norte-americana, Carlos Manga dirige, aqui, “Nem Sansão, nem Dalila” (1955), com Fada Santoro e Oscarito. 


O movimento da chanchada no Brasil caracteriza-se por filmes produzidos em sua maioria no Rio de Janeiro, em duas de suas principais empresas produtoras: a Cinédia e a Atlântida, tendo como principais diretores Lulu de Barros e Watson Macedo. Aproveitam-se principalmente dos artistas do rádio e do Teatro de Revista para a formação de sua constelação. Entre esses se destacam: Oscarito, José Lewgoy, Dercy Gonçalves, Norma Benguel e Grande Othelo, incorporados pelo cinema cultural pelo movimento do Cinema Novo, entre outros atores a serem mencionados.


Numa fase anterior à explosão da televisão no Brasil, na década de 50, a im75 plantação da Cia. Cinematográfica Vera Cruz representou uma tentativa de imitação de um modelo de cinema dominante, voltada para um público mais culto e com uma proposta menos popular daquela da chanchada. Para tanto, vai buscar técnicos e diretores no cinema internacional, no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e no teatro paulista, algumas das estrelas de sua constelação, como: Tônia Carrero, Cacilda Becker, Paulo Autran, Juca de Oliveira, Irene Ravache, entre outros. Dentre os gêneros produzidos pelo cinema brasileiro, vale ressaltar a pornochanchada, fenômeno popular que alimentou por 15 anos a produção da boca-dolixo de São Paulo e que centrava sua temática na exploração erótica. Sua origem se deu a partir das comédias italianas da década de 60. 


A pornochanchada redescobre o grande potencial sexual da mulher brasileira, na década de 70, mas explora de forma agressiva e acintosa a fantasia masculina no binômio desejo/sexo.


Surgiu, inicialmente, no Rio de Janeiro, com a figura do malandro carioca transformado em paquera no filme “Os Paqueras”, de Reginaldo Farias, de 1969. Além da renovação como gênero cinematográfico, “Os Paqueras” transformou-se na segunda maior bilheteria do ano, fazendo renascer a empatia do cinema brasileiro com o grande público, afastado das salas do cinema nacional desde os tempos da chanchada. A partir daí, uma série de estereótipos será explorada, além do paquera: o “corno”, o homossexual, o velho impotente, etc. 


E a dicotomia feminina é transfigurada na figura da virgem ou da desquitada/viúva. O que se vê é a vulgarização da imagem feminina, inserida numa ideologia falocrática de dominação e violência. As primeiras atrizes da pornochanchada mal conseguem escapar do anonimato, com exceção de Helena Ramos, Vera Fischer e Aldine Muller. Mais tarde, encampadas pelo Sistema Globo de Televisão, passam, inicialmente, por um período de “purgação”, antes de ser definitivamente aceitas pela classe média brasileira, e convalidam a tradição de que a sexualidade feminina é trágica. 


Mas, na verdade, a televisão brasileira é a grande mídia nacional, porque expõe a maioria de nossos atores ao grande público, operando em um sistema de divulgação semelhante ao dos grandes estúdios americanos, com direito a revistas de fãs, divulgação de fofocas, etc. A verdade é que a grande responsável pela criação de um Pantheon de estrelas no Brasil foram as telenovelas brasileiras, principalmente pela imagem difundida pela Rede Globo de Televisão. São elas, as telenovelas, as herdeiras dos filmes de mulheres, orientados à audiência feminina – filmes que dominaram o mercado exibidor americano até a década de 50 – quando inicia a hegemonia da televisão, independentemente do fato de se dirigirem somente a audiências femininas ou não.

Fonte: @edisonmariotti   #edisonmariotti    Giselle Gubernikoff
Artigos completos publicados em periódicos - colaboração, original:  GUBERNIKOFF, Giselle

segunda-feira, 22 de junho de 2015

No início dos anos 70 do século passado, já havia um clima receptivo às obras de artistas que trabalhavam com o videoteipe, como o Museu de Arte de Rose, da Universidade de Brandeis, que inaugura uma exposição sobre a arte do vídeo.

Dentro da abordagem a propósito dos avanços propiciados pelas novas tecnologias, o texto procura fundamentar a intertextualidade que passa a existir entre as artes plásticas e a comunicação a partir do momento em que artistas plásticos se apropriam dos meios de comunicação como forma de expressão artística, nos anos 60 do século passado. O conteúdo parte para uma abordagem histórica sobre o uso inicial do videoteipe pelas artes plásticas, sua legitimação por grandes museus e seu posterior desdobramento para outras formas de arte englobadas sob o nome de arte-comunicação. A partir dessas manifestações, o artigo analisa as transformações ocorridas nas formas de recepção da obra de arte, quando essa se transforma em linguagem, e linguagem cinemática, e consequentemente, em comunicação.


The Rose Art Museum

With the approach regarding with the advances propitiated by the New Digital Medias, the text tries to base the existing intertextuality that arise between fine arts and communication at the moment that the artist allocates the communications media as an artistic expression, in the sixties. The content depart to a historical approach about the initial use by fine arts of the video tape, it legitimating by important museums and it later expansion to others forms of art included in the definition Art-Communication Systems. From now analyze the transformations occurred in the work of art’s reception, whilst it is transformed in cinematic language and consequently in Communication.



fonte: @edisonmariotti @edisonmariotti
http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conexao/article/viewFile/2218/1509

colaboração:
Giselle Gubernikoff