terça-feira, 6 de novembro de 2012

O maestro do cinema

Cineasta cearense foi homenageado durante abertura do Amazonas Film Festival, no último sábado, em Manaus
Ele sempre foi apaixonado por música, mas nunca chegou a orquestrar para uma grande plateia. Diz não dominar ainda todas as técnicas dessa arte, mas sempre está atento aos sons e trilhas sonoras de seus filmes. Nascido no Ceará, criado no Rio e formado em Arquitetura, Zelito Viana encontrou no cinema uma alternativa para diminuir a frustração de não ser maestro e, além de ter se tornado uma referência na produção audiovisual nacional, é um dos maiores motivadores do cinema brasileiro.

Zelito entrou no mundo do cinema pelas mãos de Glauber Rocha: "Naquele tempo, era muito agradável fazer filme. A equipe ganhava um cachê simbólico. Era uma aventura com um aspecto lúdico. O cinema perdeu isso" FOTO: LEONARDO ROCHA/DIVULGAÇÃO

Para ele, até o pior filme da nossa safra é melhor que qualquer produção americana. A paixão do cearense pela sétima arte está no sangue. Irmão de Chico Anysio, Zelito já soma 50 anos de carreira e foi ovacionado em homenagem realizada na nona edição do Amazonas Film Festival por sua contribuição ao cinema nacional. Robério Braga, titular da Secretaria de Cultura do Amazonas, registrou, durante a abertura do evento, no último sábado, que a escolha de Zelito para ser homenageado esse ano foi carinhosamente pensada.

"É uma redundância, mas estou muito honrado em ser presidente de honra do festival, que é muito importante para o nosso circuito. Pretendo voltar novamente daqui a alguns anos, agora para entrar na mostra competitiva", disse Zelito. Responsável por obras como "Minha Namorada" (1970), "Os Condenados" (1974), "Morte e Vida Severina" (1976) e "Avaeté, Semente da Vingança" (1984), foi reconhecido internacionalmente, com destaque para o Prêmio Air France de Cinema como melhor produtor por "Terra em Transe". Produziu dezenas de filmes, como "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", de Glauber Rocha; "A Grande Cidade", de Cacá Diegues; e "Cabra Marcado para Morrer", de Eduardo Coutinho.

Ele conta que caiu de paraquedas na indústria. "Quando comecei, eu era engenheiro e não tinha noção do que fazia. Nem sabia que seria um cineasta. Tive a sorte de cair nas mãos de Glauber Rocha, que é um gênio", relembra o cineasta. Zelito começou como produtor dos filmes de Rocha, um dos precursores do movimento conhecido como Cinema Novo, e viveu uma época de glória do cinema nacional.

"Glauber sofria por ser um gênio e as pessoas nem sempre o compreendiam. Quando o roteiro de ´Terra em Transe´ chegou até mim, tínhamos consciência de que era uma obra-prima", contou. Aos olhos de Zelito, o roteiro era bem melhor do que o filme e, por falta de incentivo financeiro, não havia verba suficiente para dar vida à magnitude criada por Glauber Rocha. "Naquele tempo, era muito agradável fazer filme. A equipe ganhava um cachê simbólico. Era mais uma aventura com um aspecto lúdico. O cinema de hoje perdeu isso".

Identidade
Mas Zelito não é pessimista em relação à nossa produção cinematográfica. Pelo contrário. Por mais que filmar no Brasil seja um problema, antigamente, era preciso ter o domínio da tecnologia, saber mexer com película e efeitos especiais. Hoje, todos os processos são muito mais acessíveis. "A tecnologia permite qualquer tipo de filmagem. Ela vai democratizar o cinema, que fatalmente vai mudar. O cinema será arte mesmo quando qualquer pessoa puder fazer", aposta o diretor.

As leis de incentivo à cultura facilitaram a contação de histórias nas telonas. Zelito lembra que, durante o governo Collor, o cinema ficou em recesso durante muito tempo, forçando os cineastas a largarem suas atividades para trabalhar na TV e em comerciais. Quando retornou, o cinema teve dificuldade em trazer de volta esses trabalhadores principalmente porque o custo das produções ficou alto. "Uma vez conversando com (Francis Ford) Coppola, falei que fiz ´Os Condenados´ com 90 mil dólares. Ele não acreditou", disse. A atual produção tem a vantagem de contar com o fomento dos editais, que propiciam a contemplação de histórias com temáticas variadas, ainda que também beneficiem comédias urbanas de alto apelo comercial e pouca qualidade. Segundo Zelito, o cenário nacional perdeu um pouco da ideia de fazer um filme de qualidade com baixo custo, assim como faz Argentina, que se destaca internacionalmente por sua cuidadosa filmografia. São tramas mais pessoais, que permanecem entre o cinema de arte e o blockbuster. "O que cria emprego hoje é o filme ´normal´, como ´Colegas´", falou, encantado, após assistir à exibição especial do longa dirigido por Marcelo Galvão, na abertura do Amazonas Film Festival. Além da necessidade de contar boas histórias, Zelito fala que a boa distribuição dos filmes e o aumento de salas são necessários para acompanhar esse processo de democratização, bem como a popularização dos preços dos ingressos.

A filmografia de Zelito Viana foi homenageada no Amazonas Film Festival com a exibição de "Villa-Lobos - Uma Vida de Paixão". Ainda que pense vagamente em se aposentar um dia, o cineasta ainda tem muito trabalho pela frente. Ele está acabando o roteiro de "Sedução", sobre um ator que recebe a notícia de que o pai morreu e parte para uma descoberta pessoal. Prestes a ser exibidos estão o curta "Sonhos de Futebol" e os longas "Sons da Esperança" e "Augusto Boal e o Teatro Oprimido". E sobre aquela paixão pela música, Zelito pretende voltar ao Teatro Amazonas, dessa vez dirigindo uma ópera. Ele já está estudando para isso.
Realizadores do CE em oficinas

Além da extensa programação do 9º Amazonas Film Festival, que exibe 37 filmes em competição e outros 144 em mostras paralelas, o evento é marcado pela realização de workshops especiais para o público amazonense. O cineasta cearense Glauber Paiva Filho, professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), ministrou o curso de Roteiro e Storyboard com Formatação para Editais.

O workshop abordou o desenvolvimento da dramaturgia de roteiros, bem como sua formatação e o storyboard, dentro da linguagem audiovisual. As aulas também foram marcadas por dicas de como encaminhar o argumento do roteiro para a seleção de editais de cultura. "A formatação do texto feito pelo roteirista é mais individual e não interessa a mais ninguém a não ser ele mesmo, enquanto a formatação para editais retrabalha a sinopse, o argumento e o storyboard da obra com o intuito de promover e vender o projeto", explicou o cineasta.

Já o ilustrador, artista conceitual e designer de personagens Rico Rodriguez, que trabalha com animação desde 2003, assumiu a oficina de Documentário, que conta com estudantes de jornalismo, publicidade e novos produtores de cinema do Amazonas. Além das aulas teóricas, os alunos realizarão um curta-metragem como produto da oficina sobre algum assunto da cidade. "A ideia é que eles possam realizar inteiramente o documentário. Usaremos uma câmera digital e um rebatedor para capturar a iluminação correta. Depois montaremos o filme e pretendemos exibir no Amazonas Film Festival do próximo ano", conta Rodriguez.

Entre as outras oficinas programadas estão Audiodescrição para o Cinema, com Graciela Pozzobon da Costa; Maquinaria de Elétrica, com Reginaldo Santos, Francisco Filho, Sérgio Menezes e Pedro Moura; Introdução à Captação de Som Direto para Cinema e Vídeo, com Antônio Carlos da Silva Muricy; e Cinema Digital, com Thiago Morais de Lima Junior.

O secretário de Cultura do Amazonas, Robério Braga, anunciou a efetivação do curso de graduação de Audiovisual para os interessados em formação acadêmica. Os incentivos estão presentes também na programação do evento, que inclui duas categorias competitivas apenas para produções amazonenses.

Para Glauber Paiva Filho, a inserção da produção amazonense na cadeia de produção de audiovisual nacional é natural. "Agora temos uma abertura para o desenvolvimento de outros filmes em outras regiões do Brasil, em busca de um novo olhar. O cenário nacional está descentralizado. O Nordeste se organiza, principalmente com a atual ascensão do Ceará e de Pernambuco, e o Norte começa a se incluir nisso também. Acaba sendo algo inevitável", finalizou o cineasta.

fonte:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1200305

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